UM LUGAR DE POESIA E NÃO UM LUGAR PARA POESIA

     No dia anterior ao Dia das Mães do ano de 2011, fui convidado para passar a tarde em uma chácara situada a uns quinze quilômetros após a cidade de Planaltina. Meu anfitrião comemorava seus oitenta e três anos de vida.
      Sempre ouvi dizer, e inclusive ensino, que pode existir poesia por trás de uma letra de música ou de uma melodia musical mesmo sem letra; pode existir poesia por trás de uma pintura; pode haver poesia por trás de um poema. Mas existir poesia em uma chácara? Desde quando cavalo é sinônimo de poesia? Ou cerca? Ou galinhas? Ou correntes?
     O nome da chácara, escolhido pelos proprietários, já prenuncia esse sentimento.
     Na entrada, há pedras pintadas de branco que formam um canteiro. Os mil metros de terra batida que separam o canteiro existente na saída da rodovia do portão principal, a terra é bem batida. A cerca que delimita os vários setores da chácara (área de pasto, área de plantio, abrigo dos animais, pequena plantação de feijão e cana) bem como as fronteiras apresentam as estacas muito bem alinhadas quanto ao eixo vertical e ao eixo horizontal. As cinco ou seis fileiras de arame liso estão perfeitamente alinhados.
     No interior da área coberta de lazer, as telhas aparentes, combinadas com as vigas de sustentação em um marrom forte dão um ar de segurança. Pendurados nas vigas, há lampiões, uma placa em madeira com dizeres que não me lembro agora; a enorme mesa em madeira maciça é capaz de acolher em torno de trinta e cinco pintinhos, digo, pessoas; as paredes em tijolo tradicional aparente cobertas com verniz transparente revelam o que em nossas casas seria considerado um absurdo. Não me lembro exatamente do piso. Mas me lembro que há dois desvios laterais e por baixo para que a água da chuva não molhe os pés daqueles que estejam ali, pois o terreno é em declive.
     Ao ar livre, galinhas com seus respectivos filhotes. Cada um no seu quadrado. Também cavalos e pôneis; pés de graviola, jabuticaba e outros frutos; o solo, sempre protegido pelo verde produzido por ele mesmo ou produzido  pelos animais.
     Na casa de um dos filhos do anfitrião, galhos de árvores retorcidos são a própria mesa da TV; na varanda, há objetos antigos tais como máquinas de costura.
     Há muito  para descrever, porém não consigo. Estou engasgado.
     Nunca pensei que objetos simples, baratos e antigos; pedaços de galhos de árvore e restos de madeira; disposição das plantas; o excelente alinhamento das cercas de arame; correntes; luminárias e suas respectivas fiações; animais; pedras; nunca pensei que tudo isso, combinado de uma forma específica (no caso, conforme a visão de quem articulou essa combinação), poderia despertar em mim uma satisfação tão grande, isto é, perceber que há poesia por trás da combinação de tudo que já citei. Como é possível? Como pode? Pedras combinadas com cerca geram poesia? Galinhas e cavalos? Grama e esterco? Não sei. Só sei que tudo que meus olhos contemplaram estavam repletos de poesia.
            Tomando emprestadas as palavras da professora Leia em seu texto distribuído aos alunos e alunas na sexta-feira anterior ao Dia das Mães, obviamente aplicando-as ao novo contexto, eu pensava que, por ser adulto, já sabia voar. Entretanto, para efeito de poesia, não passo de um pequeno menino, um pequeno coração vadio, que pensa que só porque deixou o ninho, já sabe voar.
          Ao anoitecer, o fim de um sonho. O reinício de outro. Eu e minha esposa deixamos o "Recanto dos ..."   para retornarmos ao nosso recanto, o Recanto dos ..."



Observação -  O texto da professora Leia é citado na íntegra em uma das postagens para o primeiro ano do mês de maio de 2011.