sábado, 25 de junho de 2016

Recordação de infância

   Do livro Bom dia, Amor! (Myrthes Mathias, editora Juerp, 1988, páginas 11 e 12), retiro a bela poesia que deixo para deleite de cada um de vocês.
SÓ O AMOR
Dizem que a dor e o amor
fazem o poeta,
mas eu acho que é só o amor:
com ele escrevi os meus primeiros versos
que até hoje ainda sei de cor.
Eram assim:
Eu vejo estrelas no céu,
estrelas no teu olhar;
eu ouço o canto dos anjos,
quando te escuto falar;
nasce uma flor no caminho
quando te vejo passar.
E era verdade:
Eu via estrelas no céu,
estrelas no seu olhar;
ouvia o canto dos anjos
quando o ouvia falar;
via uma flor no caminho
quando ele estava a passar.
Depois, sem ele, escrevi meu primeiro
poema de desilusão,
desses poemas poemas que nascem
nas noites de solidão:
Apagou-se a estrela no céu,
a estrela do seu olhar;
o doce canto dos anjos
já não consigo escutar;
até a flor do caminho
já começou a murchar:
uma vida sem carinho
é um barco longe do mar.
Dizem que a dor e o amor fazem o poeta,
mas eu acho que é só o amor:
quando ele chega é um poema lindo,
quando ele parte a gente escreve: dor!

   Mais do que  preocupar-se com aspectos técnicos ligados à teoria literária tais como o fingimento poético (o fato do sentimento declarado pelo eu lírico não corresponder ao sentimento do autor intelectual da obra) ou na unicidade da dor (a dor pessoal é sempre a maior, é sempre única / todos nós somos passíveis de viver determinada dor), não podemos perder a magia da arte: a possibilidade de sonhar, imaginar, alegrar-se, decepcionar-se, etc).
Fernando Fernandes