terça-feira, 21 de abril de 2020

Orvalho Matinal

Então, lhe disse Isaque, seu pai: Chega-te e dá-me um beijo, meu filho.
Ele se chegou e o beijou. Então, o pai aspirou o cheiro da roupa dele, 
o abençoou, e disse:
Eis que o cheiro do meu filho é como o cheiro do campo,
que o SENHOR abençoou;
Deus te dê do orvalho do céu, e da exuberância da terra,
 e fartura de trigo e de mosto.
Sirvam-te povos, e nações te reverenciem;
sê senhor de teus irmãos, e os filhos de tua mãe se encurvem a ti;
maldito seja o que te amaldiçoar, e abençoado o que te abençoar.


(Gênesis 27: 26 a 29 - ARA)

*mosto = suco de uva ou de qualquer outra fruta antes do processo de fermentação

    
     A leitura de todo o capítulo 27 do Gênesis mostra que houve uma armação por parte de Rebeca e Jacó (o filho mais novo) no intuito de obter do pai a bênção que era exclusiva ao primogênito (o filho mais velho). Apesar da trapaça, havia o plano divino no qual o mais novo (Jacó) serviria ao mais velho (Esaú), conforme Gênesis 25:23. Caso se interesse, confira mais detalhes desse episódio e seus antecedentes: Esaú, o primogênito (Gênesis 25:24 a 26); Esaú vende seu direito à primogenitura a Jacó (Gênesis 25:27 a 34); e a própria armação por parte da mãe para favorecer o mais novo, mostrada acima.
    Quero destacar no discurso feito pelo pai, o que é dito sobre o orvalho de forma figurada. 
    O orvalho, processo inverso da evaporação, refresca, umedece, restaura, traz vigor. Ainda que sua formação se dê ao longo da noite, é pela manhã que a sua percepção é mais contundente. 
    Uma rápida navegação na internet é suficiente para mostrar diferentes momentos poéticos contidos nesse fenômeno natural. Entretanto, prefiro desafiar você na busca da essência que se esconde nesse interessante ato da natureza.
    É meu desejo  que o orvalho sempre faça parte da sua caminhada diária. E na falta de uma foto inédita sobre o orvalho, partilho essa,  tirada à noite no jardim de casa há cinco anos.




Fernando Fernandes

Semeando Vidas

 Naquela manhã de 1998, no auditório do atual colégio, eu e diversos professores estávamos à busca de uma outra escola em Taguatinga para lecionar. Minha condição era extremamente ruim, pois contava com apenas três anos de Secretaria. Antes do início desse encontro, caminhara pelo interior da escola. Alguém semeou vidas, pensei. mas não havia quem as alimentassem. Muita área verde subutilizada, mato para todo o lado, verde se transformando em cinza. Lembrei-me também da minha infância e adolescência em residência com plantas. Na reunião, e para minha surpresa, fui abençoado com uma vaga lecionar nessa escola no turno vespertino.
   Três anos mais tarde, foi instituída a jornada ampliada. Na prática, passei a trabalhar apenas nessa escola. Não precisaria de lecionar em um segundo colégio. Muito legal mesmo, mas aquelas plantas continuavam a perder seu verde, e a experiência pregressa com plantas junto à família continuava na mente.
   Oito anos após a aquela manhã, como acontecia a cada ano, professores se aposentavam e outros se apresentavam. Alunos começavam e terminavam o Ensino Médio. E o verde cada vez menos verde. Entretanto, um daqueles professores recém chegados, que também tivera experiência com plantas na infância, deu-me um tapa na cara. Sim. A experiência dele estava no coração enquanto a minha experiência  ainda estava no campo racional.
   Eis a diferença. Enquanto precisei de oito anos para entender o meu erro, esse colega notou de cara a agonia da flora. Com termômetros, constatou que a temperatura ambiente das salas de aula ao longo da tarde atingia a marca de 39 graus Celsius e que a área verde do colégio estava extremamente escassa. No lugar de buscar nas estâncias superiores uma solução que pudesse amenizar o desconforto em sala, agiu.
   Feita a sensibilização de todo o corpo docente e discente para o grave problema ambiental, feito o debate e a coleta de ações, entre outras atitudes de conservação do espaço pedagógico, decidiu-se reflorestar a escola.
   Como Davi frente a Golias, a empreitada começou. Mas as dificuldades...
   Havia a prática de queimadas e descarte de lâmpadas fluorescentes nas áreas não cimentadas. A coisa era tão arraigada que foi um custo acabar com esse vício. Mas as fogueiras continuavam.
   Não havia como irrigar essas novas vidas. A solução foi aproveitar a água usada das diversas pias de banheiros, encaná-las e levá-las até cada pé. Mas quando se fazia algum reparo no colégio, aqueles canos que estavam a serviço da natureza eram retirados em nome da economia de recursos ou por desrespeito ao trabalho, mesmo.
   Não existia mão de obra para cuidar das vidas que foram geradas. A equipe de manutenção e limpeza não tinha permissão e / ou interesse em participar dessa conservação. Como solução, um verdadeiro trabalho de sedução para que esse professor pudesse contar com cerca de dez alunos ao ano, considerando as três séries, como protagonistas dessa missão, simplesmente por amor à natureza e não a recompensa de uma nota maior.
   Quem olha para cima, para baixo e para os lados percebe a imensidão de cores existentes aqui. Estamos tão preocupados com a nota, com as aulas, com a correria  ou  com a informação da tela do celular que deixamos de reconhecer que outros deram de si para que tivéssemos o que possuímos hoje: uma verdadeira microfloresta, um microcerrado, fauna e flora exuberantes.
Da chegada desse semeador até o presente, treze anos se foram e cerca de trezentas formiguinhas, inclusive eu, participamos do privilégio em plantar e semear vidas.

Fernando Fernandes