Há quase quinhentos anos, Camões já afirmara que todo o Mundo é composto de mudança, tomando sempre novas qualidades a partir da constatação de que os tempos, as vontades, o ser e a confiança estão sempre em processo de mudança. Por outro lado, Zygmunt Bauman traz à lume a ideia de sociedade líquida, na qual tudo é volátil, amoldável, flexível, temporário.
Detalhemos melhor cada afirmação.
No poema camoniano, ele parte das mudanças que ocorrem na natureza e nele mesmo como sustentação da sua tese, na qual tudo se modifica, seja para a melhor (na natureza) ou para a pior (sua própria vida). As novas qualidades não são sinônimo de aperfeiçoamento, obrigatoriamente. É que os versos Continuamente vemos novidades / diferentes em tudo da esperança explicitam claramente.
Já no sociólogo contemporâneo polonês e radicado na Grã-Bretanha, a falta de investimentos a longo prazo nos relacionamentos, a necessidade que temos de comprar aquilo que, efetivamente, não nos falta e a constatação de que tudo é descartável são exemplos da liquidez social em que vivemos. Não há mais raízes, tradições. Há uma excessiva busca pelo novo, assim como a água assume a forma de qualquer coisa que a contém.
Camões revela que a necessidade de mudança é inerente ao ser humano. Conforme ganhamos idade e experiência de vida, é normal que nossos valores se modifiquem. As relações familiares, assim como as escolares, profissionais, aquelas que envolvem namoro, noivado e casamento e outras relações, todas elas permitem troca de experiências a ponto de sermos um pouco de cada colega ou familiar que passou pela nossa vida, assim como eles são um pouco de nós. Daí as mudanças.
Já em Bauman, sua leitura do mundo contemporâneo revela a patologia causada pela mídia e pelo consumo, pilares da pós-modernidade. Por exemplo, o governo brasileiro reduziu o Imposto sobre Produtos Industrializados dos automóveis zero-quilômetro para aumentar vendas, mas, por outro lado, tem divulgado que o funcionalismo federal não receberá qualquer reajuste de salário neste ano; os bancos e financeiras alardeiam redução de juros para incrementar a quantidade de dinheiro em circulação por meio do financiamento de bens e produtos, porém todos sabemos que boa parte da população brasileira está comprometida com prestações. A coisa está tão liquefeita que você tem a posse de um carro que não lhe pertence ou do celular da maçã que ainda pertence à operadora que lhe vendeu e, antes que você consiga quitar, se quitar, todas as prestações, já estará trocando por outro similar, só porque a lanterna traseira ficou maior ou a maçã, agora, está mordida dos dois lados. E nessa troca, você ganha o prazer de estar atualizado em relação ao produto que possuia, contudo, perde dinheiro e ganha mais prestações, até alguém seduzir você novamente. Nas relações que envolvem namoro, noivado e casamento, valores familiares e o que temos o hábito de definir como ética essa fluidez também ocorre. Basta um exercício de raciocínio. Com certeza, exemplos virão à mente.
Se Camões afirma que as mudanças são inerentes ao ser humano e Bauman constata que há busca excessiva por mudanças, como conciliar a necessidade que há em nós em buscar o novo sem entrarmos na fluidez social?
Ainda busco respostas. Você as tem?
Fernando Fernandes
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