terça-feira, 21 de abril de 2020

Semeando Vidas

 Naquela manhã de 1998, no auditório do atual colégio, eu e diversos professores estávamos à busca de uma outra escola em Taguatinga para lecionar. Minha condição era extremamente ruim, pois contava com apenas três anos de Secretaria. Antes do início desse encontro, caminhara pelo interior da escola. Alguém semeou vidas, pensei. mas não havia quem as alimentassem. Muita área verde subutilizada, mato para todo o lado, verde se transformando em cinza. Lembrei-me também da minha infância e adolescência em residência com plantas. Na reunião, e para minha surpresa, fui abençoado com uma vaga lecionar nessa escola no turno vespertino.
   Três anos mais tarde, foi instituída a jornada ampliada. Na prática, passei a trabalhar apenas nessa escola. Não precisaria de lecionar em um segundo colégio. Muito legal mesmo, mas aquelas plantas continuavam a perder seu verde, e a experiência pregressa com plantas junto à família continuava na mente.
   Oito anos após a aquela manhã, como acontecia a cada ano, professores se aposentavam e outros se apresentavam. Alunos começavam e terminavam o Ensino Médio. E o verde cada vez menos verde. Entretanto, um daqueles professores recém chegados, que também tivera experiência com plantas na infância, deu-me um tapa na cara. Sim. A experiência dele estava no coração enquanto a minha experiência  ainda estava no campo racional.
   Eis a diferença. Enquanto precisei de oito anos para entender o meu erro, esse colega notou de cara a agonia da flora. Com termômetros, constatou que a temperatura ambiente das salas de aula ao longo da tarde atingia a marca de 39 graus Celsius e que a área verde do colégio estava extremamente escassa. No lugar de buscar nas estâncias superiores uma solução que pudesse amenizar o desconforto em sala, agiu.
   Feita a sensibilização de todo o corpo docente e discente para o grave problema ambiental, feito o debate e a coleta de ações, entre outras atitudes de conservação do espaço pedagógico, decidiu-se reflorestar a escola.
   Como Davi frente a Golias, a empreitada começou. Mas as dificuldades...
   Havia a prática de queimadas e descarte de lâmpadas fluorescentes nas áreas não cimentadas. A coisa era tão arraigada que foi um custo acabar com esse vício. Mas as fogueiras continuavam.
   Não havia como irrigar essas novas vidas. A solução foi aproveitar a água usada das diversas pias de banheiros, encaná-las e levá-las até cada pé. Mas quando se fazia algum reparo no colégio, aqueles canos que estavam a serviço da natureza eram retirados em nome da economia de recursos ou por desrespeito ao trabalho, mesmo.
   Não existia mão de obra para cuidar das vidas que foram geradas. A equipe de manutenção e limpeza não tinha permissão e / ou interesse em participar dessa conservação. Como solução, um verdadeiro trabalho de sedução para que esse professor pudesse contar com cerca de dez alunos ao ano, considerando as três séries, como protagonistas dessa missão, simplesmente por amor à natureza e não a recompensa de uma nota maior.
   Quem olha para cima, para baixo e para os lados percebe a imensidão de cores existentes aqui. Estamos tão preocupados com a nota, com as aulas, com a correria  ou  com a informação da tela do celular que deixamos de reconhecer que outros deram de si para que tivéssemos o que possuímos hoje: uma verdadeira microfloresta, um microcerrado, fauna e flora exuberantes.
Da chegada desse semeador até o presente, treze anos se foram e cerca de trezentas formiguinhas, inclusive eu, participamos do privilégio em plantar e semear vidas.

Fernando Fernandes 

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