O início do segundo bimestre foi marcado pelo início dos preparativos do nosso festival literário. Com certeza, será um sucesso total. A ponto de haver um divisor de águas no colégio: antes e depois do show a ser apresentado pelo 2ºL.
Também demos início aos estudos do Romantismo em Portugal. Vimos que os portugueses também se preocupavam com a modernidade. Eles também queriam seguir os passos já trilhados pelos franceses. Tanto é que a Revolução Liberal marca esse desejo. Ao mesmo tempo, a nova estética literária – a romântica – é trazida para o seio português.
Um poema analisado recentemente em sala é da autoria do português Almeida Garret. Abaixo, transcrevo-o, conforme está no nosso material de estudo.
Anjo és tu, que esse poder
Jamais o teve mulher,
Jamais o há-de-ter em mim.
Anjo és, que me domina
Teu ser o meu ser sem fim;
Minha razão insolente
Ao teu capricho se inclina,
E minha alma forte, ardente,
Que nenhum jugo respeita,
Covardemente sujeita
Anda humilde a teu poder.
Anjo és tu, não és mulher.
Anjo és. Mas que anjo és tu?
Em tua frente anuviada
Não vejo a c’roa nevada
Das alvas rosas do céu.
Em teu seio ardente e nu
Não vejo ondear o véu
Com que o sôfrego pudor
Vela os mistérios d’amor.
Teus olhos têm negra a cor,
Cor de noite sem estrela;
A chama é vivaz e é bela,
Mas luz não tem. – Que anjo és tu?
Em nome de quem vieste?
Paz ou guerra me trouxeste
De Jeová o Belzebu?
Não respondes - e em teus braços
Com fenéticos abraços
Me tens apertado, estreito!...
Isto que me cai no peito
Que foi?... Lágrima? – Escaldou-me
Queima, abrasa, ulcera... Dou-me,
Dou-me a ti, anjo maldito,
Que este ardor que me devora
É já fogo de precito,
Fogo eterno, que em má hora
Trouxeste de lá... De donde?
Em que mistérios se esconde
Teu fatal, estranho ser!
Anjo és tu ou és mulher?
O poema, como um todo, é construído tendo como base a figura de linguagem antítese.
Na primeira estrofe, a antítese se apresenta por meio do binômio força masculina / rendição ao sentimento. Por exemplo, em Minha razão insolente / Ao teu capricho se inclina; E minha alma forte, ardente, / Que nenhum jugo respeita, / Covardemente sujeita / Anda humilde a teu poder. Parafraseando os exemplos, temos o seguinte: a razão masculina se rende ao capricho feminino; a fortaleza da alma masculina que nada respeita confessa estar sujeito ao poder feminino. Como características literárias temos o sentimentalismo, o subjetivismo e o egocentrismo. Em todos os casos, o eu-lírico revela toda sua angústia, insegurança e confessa sua fraqueza diante de algo mais forte do que ele.
Na segunda estrofe, a antítese se manifesta por meio da idealização feminina (traço físico como ideal de perfeição ao eu-lírico) versus o que esses traços deveriam apresentar (componente psicológico). Na aparência (pureza, brancura das nuvens), o eu-lírico não encontra a pureza das rosas; no seio ardente, deveria haver o pudor. Mas não há porque não há véu a cobrir. A beleza física dos olhos não traz a pureza espiritual. A augústia é tão grande que a estrofe se encerra com dois questionamentos: Em nome de quem vieste? / Paz ou guerra me trouxeste / De Jeová o Belzebu?
Na terceira estrofe, ainda que o eu-lírico não tenha a resposta aos seus questionamentos, ele confessa estar rendido a essa paixão, quando afirma já ter sido apertado pelos seus abraços. A expressão anjo maldito deixa bem claro que ele sofre de maneira consciente, bem diferente do que ocorre nos versos Amor é fogo que arde sem se ver; é ferida que dói e não se sente (Camões). Gregório de Matos, em um de seus sonetos em que a oposição anjo/demônio aparece, ele afirma em relação ao papel feminino, nos mesmos moldes em que Garret aplica aqui, cerca de 200 anos depois: Posto que os Anjos nunca dão pesares, / Sois Anjo que me tenta, e não me guarda. (Gregório) O eu-lírico, inclusive, se sente condenado quando afirma Que este ardor que me devora / É já fogo de precito (precito = condenação). Mais uma vez o questionamento por meio da antítese anjo e mulher.
O poema em análise, além de trazer dentro da sua estrutura a estética romântica, também apresenta traços do que hoje se chama de poesia romântica. Ambas as abordagens (Romantismo e romantismo) são perceptíveis. Mas que lições podemos tirar do poema? Evidentemente, somos indivíduos diferentes, com diferentes histórias de vida. Vale ou não vale a apena se arrebentar por algo que queiramos? Devemos lutar por algo que sabemos irá tirar nossa tranquilidade? Ou devemos buscar situações que tragam paz e sossego ao coração, ainda que não seja aquela situação desejada? Ou, ainda, até que ponto temos consciência de que algo é maléfico, lutamos com todas as nossas forças para evitá-lo, contudo, somos levados pela correnteza?
Diferentes leituras, diferentes questionamentos, diferentes respostas. Tudo para diferentes leitores.
Eu não tenho as respostas. Você tem?
Não acretido que sou a primeira pessoa a ler essa belíssima análise. Infiro isso por ter marcado o primeiro +1 no texto --- não é concebível que alguém tenha lido e não gostado. Essa foi uma das melhores análises do poema que eu já li. Parabéns pelo trabalho!
ResponderExcluirNão acretido que sou a primeira pessoa a ler essa belíssima análise. Infiro isso por ter marcado o primeiro +1 no texto --- não é concebível que alguém tenha lido e não gostado. Essa foi uma das melhores análises do poema que eu já li. Parabéns pelo trabalho!
ResponderExcluiralguma figura de linguagem explicita a dualidade dos sentimentos do homem romântico em relação ao amor e a mulher ?
ResponderExcluirNo final da segunda estrofe, uma figura e liguagem explicita a dualidade dos sentimentos do homem romântico e relação ao amor e a mulher. Indentifique esse figura e transcreva sua duas ocorrências.
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