segunda-feira, 9 de maio de 2011

1º ANO - TEORIA LITERÁRIA - UMA PRÁTICA - UM CONSELHO

     Recentemente, concluímos nossas observações sobre o que a tradição denomina de ‘teoria literária’, em que um dos focos é a distinção entre texto literário e texto não literário.

     Sobre essa distinção, gostaria de aproveitar o espaço para realizar uma nova análise sobre esse binômio a partir de dois exemplos de textos pertencentes ao gênero textual bilhete escolar.
    
O primeiro texto, doravante denominado de texto 1, diz o seguinte:

Senhores pais ou responsáveis, neste final de semana haverá uma atividade pedagógica envolvendo a exibição de um filme e posterior debate. O início da atividade dar-se-á às 8h.


Contamos com a sua compreensão no sentido de incentivar a presença de seu filho(a) no colégio.


Atenciosamente,


A direção.

     Já o segundo texto, doravante denominado de texto 2, distribuído aos alunos na sexta-feira anterior ao Dia das Mães de 2011, diz o seguinte:

Srs. pais, não abandoneis os vossos filhos,
pequenos meninos, pequenos corações vadios
que pensam que só porque deixaram o ninho
já sabem voar.
Alguns até já nascem alados, mas mesmos estes,
não os deixeis de lado.


Srs. pais, não abandoneis o dom de serdes mães:
colos acolhedores, portos seguros, ponto de partida e chegada,
abraço, aconchego, chamego, olhos e lágrimas,
boca, beijo e conselho, espinho e carinho.


Senhores pais, não abandoneis os vossos filhos,
pois em cada esquina há um inimigo
querendo ser amigo de vosso abandonado filho.


Senhores pais, não desista de vossos filhos,
sede incansáveis, insones, inesgotáveis e, principalmente,
inseparáveis de vossos filhos – vossos tesouros.


Senhores pais, vigiai, ficai à espreita, pois
vossos filhos são flechas, mas vós sois o arco
aquele que dá o impulso e a direção.

Leia F. Carmo – professora de Língua Portuguesa do CEMTN do turno vespertino

     Fica muito claro que o texto 1 não pode ser considerado um texto artístico, um texto literário. Ele é marcado pela literalidade das suas palavras. A denotação predomina e a ênfase está na informação – função referencial. A objetividade também está em realce, ainda que o emissor se posicione no segundo parágrafo por meio da função apelativa da linguagem.

     Já o texto 2 tem tudo para ser considerado um texto literário. Como um todo, mantém a mesma estrutura textual do texto 1. O uso da segunda pessoa do plural dá ao texto um ar solene. A organização das linhas não acontece da mesmíssima forma em relação ao exemplo anterior. Mesmo assim, prefiro trabalhar com a ideia de parágrafo a estrofe. Não pretendo esgotar todas as possibilidades de análise, mas sim destacar alguns pontos.

     Vejamos.

     No primeiro parágrafo, a autora se valeu da assonancia – emprego de sons vocálicos como recurso expressivo – ao utilizar as palavras filhos e vadios. Além disso, fica claro que vadios traz em si um sentido diferente do normalmente empregado à palavra. E a metáfora aplicada às expressões ninho, voar e alados sugerem a associação a pássaros que já são capazes de voar.

     No segundo parágrafo, de cara a autora brinca com a semântica da palavra pais. Se por um lado pais é o plural de pai, pais também abrange a figura materna. É aqui que a autora chama a atenção do leitor ao aproximar pais e mães e desfazendo um eventual choque de sentidos.

     Na sequência, há uma série de itens enumerados. Em colos acolhedores, portos seguros e ponto de partida e de chegada, há o emprego do pleonasmo – a repetição de uma ideia usando palavras diferentes. E na primeira citação há o emprego da aliteração – repetição de sons consonantais como efeito expressivo. Nas expressões abraço, aconchego, chamego, novamente a autora brinca com a sonoridade (aliteração e assonância) das palavras; em olhos e lágrimas, boca, beijo e conselho, a autora também brinca com a sonoridade das palavras; em espinho e carinho temos a antítese, recurso expressivo que consiste na aproximação de idéias opostas como recurso expressivo, além da assonância.

     No terceiro parágrafo, a autora abusou da antítese em não abandoneis e abandonado e em amigo e inimigo.

     No penúltimo parágrafo, a sonoridade aparece mais uma vez por meio da escolha de palavras iniciadas com o prefixo de negação in. É obvio que a autora poderia se valer de outras palavras, porém, a opção por negativas como feita dá beleza ao texto.

     Por fim, a autora encerra o texto com um novo emprego da metáfora. Dessa fez, pais e filhos são associados a arco e flecha. Da mesma forma que a flecha é direcionada pelo arco, nossos filhos são direcionados por nós, pais e mães.

     Além do próprio recado, no texto 2 há o trabalho com a palavra – a chamada função poética da mensagem – que dá ao texto a literariedade necessária.

     Concluindo, penso que toda a análise acima é interessante e ajuda ao leitor na percepção dos detalhes envolvidos na construção do texto. Contudo, de nada vale o saber intelectual, a análise acurada de um texto, a percepção dos jogos de palavras se o leitor não for capaz de aplicar seu coração a um texto tão lindo, tão real e tão aconselhador. Sei que meus alunos e alunas ainda não estão na condição de pais/mães, mas sei que são capazes de aplicar esses conselhos num futuro que está mais ou menos próximo.

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