quinta-feira, 23 de junho de 2011

1ºs anos todos - Seminário - uma reflexão

   Já não era sem tempo! Que trabalhão! Que ralação! Mas acabou.
   Provavelmente, muito de vocês pensaram dessa forma ao longo desses trinta ou quarenta dias desde que a equipe de Sociologia/Língua Portuguesa decidiu pela atividade ligada às teorias sociológicas vinculadas à instituição escolar junto com a análise de sonetos produzidos em diferentes momentos da história da Língua Portuguesa. Ainda por cima, a criação de um soneto inédito sobre nosso colégio, sempre baseado no que vocês pensam sobre a escola.
   Minhas primeiras palavras são de gratidão e reconhecimento pela garra demonstrada por todos vocês. Principalmente ao grupo que abriu (por iniciativa própria) as apresentações do seminário às 17 horas do dia 15 de junho, com auditório cheio, brindando a todos os professores responsáveis pelo trabalho e aos alunos presentes por meio da análise do "Círculo Vicioso", de Machado de Assis.
   Quantas idas e vindas até os professores, não é? E agora, missão cumprida. Com certeza, cada um de vocês sabe o quanto de força traz dentro de si. Por isso vocês estudam aqui. Para aqueles que são fortes, tiveram a oportunidade de demonstrarem-na; para aqueles que não se consideram capazes, desenvolveram a confiança.
   Também gostaria de refletir algo a partir de dois poemas que foram estudados no seminário, transcritos a seguir.

Texto 1 - SE EU FOSSE UM PADRE – Mário Quintana

Se eu fosse um padre, eu, nos meus sermões,
não falaria em Deus nem no Pecado
— muito menos no Anjo Rebelado
e os encantos das suas seduções,

não citaria santos e profetas:
nada das suas celestiais promessas
ou das suas terríveis maldições...
Se eu fosse um padre eu citaria os poetas,

Rezaria seus versos, os mais belos,
desses que desde a infância me embalaram
e quem me dera que alguns fossem meus!

Porque a poesia purifica a alma
...e um belo poema — ainda que de Deus se aparte —
um belo poema sempre leva a Deus!

Texto 2 - AH! OS RELÓGIOS – Mário Quintana

Amigos, não consultem os relógios
quando um dia eu me for de vossas vidas
em seus fúteis problemas tão perdidas
que até parecem mais uns necrológios...

Porque o tempo é uma invenção da morte:
não o conhece a vida - a verdadeira -
em que basta um momento de poesia
para nos dar a eternidade inteira.

Inteira, sim, porque essa vida eterna
somente por si mesma é dividida:
não cabe, a cada qual, uma porção.

E os Anjos entreolham-se espantados
quando alguém - ao voltar a si da vida -
acaso lhes indaga que horas são...

   No texto 1, temos um eu lírico que, por discordar de práticas nocivas dentro do sistema eclesiástico, assume uma postura futurista declarando que se ele estivesse no lugar de um padre,  conduziria a liturgia religiosa de uma forma diferente.
   Para ele, a forma como os religiosos orientam seus fieis no momento da homilia (sermão ou pregação) não são suficientes para que haja uma interação entre o céu e a terra. É como se houvesse uma distância entre ensino e prática.
   Ou então não é problema de exemplo, mas sim da mecanicidade do processo litúrgico. O culto é tão igual, tão rotineiro, tão militarizado que não abre espaço para que um momento de oração individual. É como um filho, cuja família é metódica, com hora para tudo, menos para fugir da programação. Momentos de intimidade ficam prejudicados, quando acontecem.
   Por fim, a proposta. Trocaria os temas religiosos por poesia. Sim, poesia. Para o eu lírico, não são só temas religiosos que promovem a aproximação entre o homem e Deus. A poesia também permite, ainda que não traga uma abordagem religiosa.
   No texto 2, o tema é outro. Radicalmente contra os relógios, o eu lírico roga aos seus companheiros que deixem os relógios de lado quando da sua morte por entender que cada futilidade, em função da fragmentação do tempo promovida pelos relógios, se agiganta. E que, no fundo, não passa de um necrológio (alguma citação para alguém falecido; nota de jornal sobre pessoas falecidas, etc.). Os relógios, instrumentos criados para controle do tempo, foram inventados pela morte. É como se cada aniversário comemorado simbolizasse a aproximação da morte, ainda que não se saiba quando ela chegará. É como se estivéssemos a morrer em função do estresse causado pelos compromissos a cumprir, definidos por um cronograma.
   Mais uma vez, a poesia. Agora, em uma diferente acepção.  Segundo o eu lírico, viver um momento de poesia significa ter a eternidade inteira. Vai além de cumprir um roteiro estabelecido. É viver com o coração. Pena que o eu lírico optou pela metáfora. Ele poderia ter definido esse viver um momento de poesia para nós. Cabe a cada um de nós decifrar esse enigma.
   Finalmente, o desfecho. Estamos tão contaminados pela fragmentação do tempo que poderíamos questionar os anjos lá no céu, quando da nossa chegada. A vida é eterna, e não fragmentada, inclusive na Terra.
   Quanto minha proposta inicial de juntar os dois poemas, temos o seguinte:

Texto 1:
Eu lírico = alunos
Padre = escola
Conteúdo religioso = o que se ensina
Poesia = o que deveria ser ensinado

Texto 2:
Eu lírico = alunos
Amigos = sociedade
Relógios = escola
Morte = sociedade, inventora da escola
Poesia = viver intensamente

   Então, em ambos os textos, a escola é vista como algo inútil pelos alunos. A igreja e os relógios metaforizam a rotina, o conteudismo, a falta de imaginação e o retrocesso que vivemos. O que se ensina não serve para nada. Mas acabar com a igreja e os relógios? Talvez seja mais fácil. Contudo, defendo um caminho mais difícil embora mais eficaz. Nesse sentido, concordo com o autor dos dois poemas, no caso, quando opta pela transformação.
   Transformação, sim. Mudança de mentalidade, sim. Evolução, sim.
   O texto 1 não propõe o fim da igreja, mas sugere a mudança de estratégias para se conseguir o mesmo objetivo, estarmos juntinhos a Deus. O texto 2, embora a sociedade tenha inventado o relógio/tempo, não propõe sua extinção. Mas sim, uma nova possibilidade de vivermos nossas horas, minutos e segundos de tal forma que signifiquem momentos de poesia, ou seja, de uma vida inteira.
Portanto, não será destruindo nossas escolas a melhor estratégia para crescermos enquanto cidadãos.    Porém, será a reflexão diária sobre o papel da escola a ferramenta para sua transformação.
   E quem possui a receita para essa transformação?
   Esse mistério, quero deixá-lo em aberto.
  
Fernando Fernandes

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