domingo, 18 de outubro de 2015

Barroco: Padre Vieira e Gregório de Matos


     Nas duas postagens anteriores, apresentamos a escola barroca e conhecemos dois textos em que as técnicas de composição cultismo e cultismo foram empregadas.
     Nesta, analisamos de forma breve a atuação de dois nomes envolvidos na escola barroca em língua portuguesa.

A) Padre Antônio Vieira (1608/1697) - O maior orador conceptista do período e a principal expressão do Barroco em Portugal, desde cedo destacou-se no conhecimento das escrituras e em sua capacidade como orador. Mesmo sendo religioso, pôs seus sermoes a serviços das causas políticas portuguesas. O fato de ter sido conselheiro do rei de Portugal e representante português em outros países conferem a Vieira a condição de alguém com livre trânsito entre a elite dominante do período.
   No link http://www.usp.br/cje/anexos/pierre/padreantoniov.pdf é possível encontrar inúmeros sermões do padre Vieira.
      Abaixo, framento do Sermão do bom ladrão, pregado na igreja da Misericórdia, em Lisboa, na Quaresma de 1655, perante cortesãos e altos dignitários, Vieira versou sobre corrupção.
     Observe a técnica utilizada apelo padre na apresentação das ideias. Elas exemplificam o conceptismo, já abordado em postagens anteriores.

(...) Não são só ladrões, diz o Santo, os que cortam bolsas, ou espreitam os que se vão banhar para lhes colher a roupa; os ladrões que mais própria e dignamente merecem este título são aqueles a quem os reis encomendam os exércitos, ou o governo das províncias, ou a administração das cidades, os quais, já com manha, já com força, roubam e despojam povos. Os outros ladrões roubam um homem, estes roubam cidades e reinos; os outros furtam debaixo de seu risco, estes sem temor nem perigo; os outros, se furtam, são enforcados; estes furtam e enforcam.(...)


B) Gregório de Matos (1633/1697) - Nascido em Salvador e tendo formação acadêmica e religiosa em Portugal, é considerado o principal representante da escola barroca no Brasil. Sua produção poética abrangeu três grandes áreas. Na lírica amorosa e religiosa, Gregório segue o princípio do Barroco europeu. Na lírica filosófica, a condição humana e do próprio mundo são questionadas. Na lírica satírica, a originalidade poética se destaca uma vez que são temas nacionais envolvendo o desgoverno de Salvador, a ponto de ser apelidado de "Boca do Inferno".

   No link http://www.cespe.unb.br/interacao/Poemas_Selecionados_%20Gregorio_de_Matos.pdf é possível encontrar inúmeros poemas da autoria de Gregório de Matos.
     Abaixo, um poema representante de cada temática adotada pelo autor.

Pintura admirável de uma beleza - lírica amorosa
Vês esse sol de luzes coroado?
Em pérolas a aurora convertida?
Vês a lua de estrelas guarnecida?
Vês o céu de planetas adorado?

O céu deixemos; vês naquele prado
A rosa com razão desvanecida?
A açucena por alva presumida?
O cravo por galã lisonjeado?

Deixa o prado; vem cá, minha adorada:
Vês desse mar a esfera cristalina
Em sucessivo aljôfar desatada?

Parece aos olhos ser de prata fina?
Vês tudo isso bem? Pois tudo é nada 
A vista do teu rosto, Catarina.

Ao braço de Menino Jesus - lírica religiosa
O todo sem a parte não é todo,
A parte sem o todo não é parte,
Mas a parte o faz todo, sendo parte,
Não se diga, que é parte, sendo todo.

Em todo o Sacramento está Deus todo,
E todo assiste inteiro em qualquer parte,
Em qualquer parte sempre fica o todo.
O braço de Jesus não seja parte,

O braço de Jesus não seja parte,
Pois que feito Jesus em partes todo,
Assiste cada parte em sua parte.

Não se sabendo parte deste todo,
Um braço, que lhe acharam, sendo parte,
Nos disse as partes todas deste todo.

Incentivo para recordar os males no fluxo e refluxo da maré - lírica filosófica
Seis horas enche e outras tantas vasa
A maré pelas margens do oceano
E não larga a tarefa um ponto do ano,
Porquanto o mar rodeia, e o sol abrasa.

Desde a esfera primeira opaca, ou rasa,
A Lua com impulso soberano
Engole o mar por um secreto cano,
E quando o mar vomita, o mundo arrasa.

Muda-se o tempo e suas temperanças,
Até o céu se muda, a terra, os mares,
E tudo está sujeito a mil mudanças.

Só eu, que todo o fim de meus pesares 
Eram de algum minguante as esperanças,
Nunca o minguante vi de meus azares.


O poeta descreva a Bahia - lírica satírica
A cada canto um grande conselheiro,
Que nos quer governar cabana e vinha;
Não sabem governar sua cozinha
E podem governar o mundo inteiro.

Em cada porta um bem frequente olheiro,
Que a vida do vizinho e da vizinha
Pesquisa, escuta, espreita e esquadrinha,
Para o levar à praça e ao terreiro.

Muitos mulatos desavergonhados,
Trazidos sob os pés os homens nobres,
Posta nas palmas toda a picardia,

Estupendas usuras nos mercados,
Todos os que não furtam muito pobres:
E eis aqui a cidade da Bahia.

        Nos poemas acima, o que melhor representa o jogo de palavras do cultismo (explicado em postagens anteriores) é o exemplo da lírica religiosa.
      Nesse ponto, encerramos as publicações que resumem as aulas ministradas em outubro referente à escola barroca.
    Um breve contexto histórico, características literárias, os principais representantes literários da escola barroca em língua portuguesa e exemplos da sua produção artística foram demonstrados.
    É evidente que as aulas não esgotam o assunto.   Mas  são  suficientes  para   permitir  o aprofundamento, conforme o interesse pessoal pelo tema.
     O próximo assunto a ser trabalhado será a literatura iluminista europeia e brasileira (o Arcadismo).
Fernando Fernandes

sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Barroco Cultismo e Conceptismo

   Na postagem anterior, apresentamos o Barroco em relação ao seu contexto histórico e características artísticas.
     Dando continuidade, como ornamentar o texto barroco assim como as pinturas e esculturas são ornamentadas? Nesse sentido, existem duas técnicas de composição que se relacionam ao texto barroco. São o cultismo e o conceptismo. 

A) Cultismo - Tendo como maior influenciador o poeta espanhol Luis de Gongora y Argote (1561-1627), correspondia à busca da perfeição formal, principalmente nos textos poéticos, por meio do uso e abuso das figuras de linguagem, do rebuscamento linguístico (maneira erudita no escrever como na erudição do vocabulário) e do jogar com as palavras tempo e conta para mostrar a experiência frustrada do eu-lírico quando questionado sobre um momento determinado em que um relatório deveria ser prestado além de aconselhar o leitor a não cair na mesma armadilha.



SONETO DO TEMPO
Frei Antônio das Chagas (Portugal, 1631-1682)

Deus pede hoje estrita conta do meu tempo
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas como dar, sem tempo, tanta conta
Eu que gastei sem conta tanto tempo?

Para ter minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado e não fiz conta.
Não quis, tendo tempo, fazer conta.
Hoje quero fazer conta e não há tempo.

Oh! Vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo em fazer conta.

Pois aqueles que sem conta gastam tempo,
Quando o tempo chegar de prestar conta,
Chorarão, como eu, se não der tempo.

Disponível em:  http://pt.aleteia.org/2015/09/10/deus-pede-hoje-estrita-conta-do-meu-tempo-e-eu-vou-do-meu-tempo-dar-lhe-conta/


b) Conceptismo - Do espanhol concepto, ideia, corresponde, principalmente nos textos em prosa, ao jogo de ideias constituído pelas sutilezas do raciocínio e do pensamento lógico, analogias, histórias ilustrativas, etc. Na Espanha, o poeta Quevedo (1580-1645) é o principal representante dessa maneira especial de representar no papel as sutilezas do detalhe que caracterizam a arte barroca.
Abaixo, trecho inicial do Sermão de Quarta-Feira de Cinza, proferido em Roma, na Igreja de S. Antônio dos Portugueses, em 1672, pelo padre português Antônio Vieira (1608-1697), analisado em sala de aula. No fragmento, a forma sinuosa em que o autor constrói seus argumentos em relação a sermos pó (presente) e que seremos pó novamente (futuro-após a morte) exemplifica essa técnica de composição e se traduz na ornamentação do texto. 

Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris.[1]

I
   O pó futuro, em que nos havemos de converter, é visível à vista, mas o pó presente, o pó que somos, como poderemos entender essa verdade? A resposta a essa dúvida será a matéria do presente discurso.


   Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não é necessário entendimento para crer; outra de tal maneira certa e dificultosa, que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura, mas a futura vêem-na os olhos, a presente não a alcança o entendimento. E que duas coisas enigmáticas são estas? Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de converter, – Sois pó, é a presente; em pó vos haveis de converter, é a futura. O pó futuro, o pó em que nos havemos de converter, vêem-no os olhos; o pó presente, o pó que somos, nem os olhos o vêem, nem o entendimento o alcança. Que me diga a Igreja que hei de ser pó: In pulverem reverteris, não é necessário fé nem entendimento para o crer. Naquelas sepulturas, ou abertas ou cerradas, o estão vendo os olhos. Que dizem aquelas letras? Que cobrem aquelas pedras? As letras dizem pó, as pedras cobrem pó, e tudo o que ali há é o nada que havemos de ser: tudo pó. Vamos, para maior exemplo e maior horror, a esses sepulcros recentes do Vaticano. Se perguntardes de quem são pó aquelas cinzas, responder-vos-ão os epitáfios, que só as distinguem: Aquele pó foi Urbano, aquele pó foi Inocêncio, aquele pó foi Alexandre, e este que ainda não está de todo desfeito, foi Clemente. De sorte que para eu crer que hei de ser pó, não é necessário fé, nem entendimento, basta a vista. Mas que me diga e me pregue hoje a mesma Igreja, regra da fé e da verdade, que não só hei de ser pó de futuro, senão que já sou pó de presente: Pulvis es? Como o pode alcançar o entendimento, se os olhos estão vendo o contrário? É possível que estes olhos que vêem, estes ouvidos que ouvem, esta língua que fala, estas mãos e estes braços que se movem, estes pés que andam e pisam, tudo isto, já hoje é pó: Pulvis es? Argumento à Igreja com a mesma Igreja: Memento homo. A Igreja diz-me, e supõe que sou homem: logo não sou pó. O homem é uma substância vivente, sensi­tiva, racional. O pó vive? Não. Pois como é pó o vivente? O pó sente? Não. Pois como é pó o sensitivo? O pó entende e discorre? Não. Pois como é pó o racional? Enfim, se me concedem que sou homem: Memento homo, como me pregam que sou pó: Quia pulvis es? Nenhuma coisa nos podia estar melhor que não ter resposta nem solução esta dúvida. Mas a resposta e a solução dela será a matéria do nosso discur­so. Para que eu acerte a declarar esta dificultosa verdade, e todos nós saibamos aproveitar deste tão importante desengano, peçamos àquela Senhora, que só foi ex­ceção deste pó, se digne de nos alcançar graça.
   Ave Maria.
   (...)

[1] Lembra-te homem, que és pó, e em pó te hás de converter.

Disponível em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=37357


   Na próxima postagem, vamos apresentar duas personalidades no contexto literário do Barroco em língua portuguesa: o padre Vieira (Portugal/Brasil) e Gregório de Matos (Brasil).

Fernando Fernandes

Barroco geral



   Iniciaremos as discussões sobre o Barroco apresentando o quadro As vaidades da vida humana, de Harmen Steenwyck (atividade proposta pelo livro didático Português-Linguagens, de Willian Cereja e Thereza Magalhães - volume 1 - página 218).

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http://brasilartesenciclopedias.com.br/internacional/flamenga03.html


Image result for As vaidades da vida humana, de Harmen Steenwyck
 Observe o seguinte:
   a) O conceito de natureza-morta: pintura que retrata objetos e seres animados. Também podem retratar seres mortos;
   b) O sentido de vaidade, indo além da simples preocupação com a aparência pessoal e avançando até o sentido de busca pelo poder, fama e realização plena dos projetos de vida;
  c) Por mais que sonhemos e planejemos coisas em nossas vidas, seremos interrompidos nessa caminhada em algum momento;
   d) A pintura apresenta antíteses que refletem o conflito humano. O feixe claro sobre o crânio em relação às partes escuras sobre os demais objetos traduzem, respectivamente, a morte em relação aos projetos de vida;
   e) A consciência da efemeridade da vida e do tempo, a concepção trágica da vida e a morbidez são traços da arte barroca se destacam nessa obra.



   Por que a arte barroca é considerada a arte reveladora de um conflito entre os valores renascentistas contemporâneos (o paganismo, sensualismo, antropocentrismo, culto à razão) e os valores praticados que lembravam o teocentrismo da Idade Média (forte onda de religiosidade, preocupação com a vida eterna, a negação dos prazeres terrenos - o carpe diem com consciência de culpa)?
   Enquanto a Europa renascentista vivia a  expansão territorial e marítima com a criação de novas rotas de comércio e o surgimento da Reforma Protestante, paralelamente e esses movimentos surgiu um outro: a Contrarreforma católica. Tudo isso ao longo do século XVI.
   A Contrarreforma foi um movimento que objetivou barrar o crescimento do protestantismo por meio das seguintes ações:
   a) A instituição da Santa Inquisição, espécie de tribunal para punir aqueles que desobedecessem as orientações do catolicismo;
   b) O Índice de Livros Proibidos, obras que a Igreja considerasse danosa à fé católica;
  c) A criação da Companhia de Jesus, cuja missão era espalhar a fé católica para combate ao protestantismo.
  Nesse contexto, surge uma arte com contorno religioso e que expressa as contradições do seu tempo e se firma ao longo do século XVII: o Barroco.
   
 No link http://viajeaqui.abril.com.br/materias/galeria-igrejas-de-salvador-bahia#1 você pode encontrar mais obras barrocas, como a que está listada abaixo, o interior da Igreja e Convento de São Francisco, na Bahia.


 No link http://g1.globo.com/minas-gerais/fotos/2014/11/fotos-obras-de-aleijadinho-em-ouro-preto.html#F1423104 você pode conhecer algumas esculturas do mestre Aleijadinho, como Anjos no frontispício da Igreja de São Francisco de Assis, esculpidos por Aleijadinho (Foto: Pedro Ângelo/G1) que aparece abaixo.


    Observe a riqueza nos detalhes, a ornamentação bem cuidadosa e caprichada. Essa carga de minúncias também exemplifica a arte barroca.
    Na próxima postagem, veremos como os textos literários do Barroco também são ricamente ornamentados. Tão ornamentados como as pinturas e esculturas do Barroco. 
       Isso mesmo. Textos ornamentados.
Fernando Fernandes

Dicas sobre o Novo Acordo Ortográfico

  Novo Acordo Ortográfico - sugestões
 
  Gente,
   Na internet, há muita coisa legal sobre o Novo Acordo Ortográfico, tanto positiva quanto negativa. As positivas se relacionam à forma de aprender as novas regras de uma maneira simples. Por outro lado, existe muito questionamento e, inclusive, movimento contrário.
   Independente de sermos a favor ou contra esse Acordo, ele existe e deve entrar em vigor a partir de 1º de janeiro de 2016, após adiamento em quatro anos. Por isso, o material que sugiro para consulta ainda menciona início de 2013 como marco de implantação.
   Abaixo, algumas sugestões para consulta apesar de haver muito material.
 
   A) Jogo on-line



  B) Apresentação de slide

  C) Exercício on line


  D) O decreto 6583 de 29 de setembro de 2008, que implanta o Novo Acordo no Brasil e as diversas datas para entrada em vigor. Nele, encontramos, também, as regras gramaticais e é a partir dele que os diversos livros sistematizam esse uso.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2007-2010/2008/Decreto/D6583.htm

 E) Consulta on-line ao Vocabulário Ortográfico da Língua Portuguesa, dicionário produzido pela Academia Brasileira de Letras. Encontramos nele a grafia das palavras e os demais dicionários se baseiam para definir o certo e o errado em termos de ortografia.



 Embora tenha sido divulgado anteriormente que o Novo Acordo entraria em vigor no início de 2013, houve um adiamento. Por enquanto, a nova data é 1º de janeiro de 2016. Digo por enquanto por ainda haver muita discussão, isso sem falar nos demais países que falam nossa língua. Aí é outra pesquisa no sentido de quem já adotou ou não o Acordo.
   Um abraço,

   Fernando