sexta-feira, 16 de outubro de 2015

Barroco Cultismo e Conceptismo

   Na postagem anterior, apresentamos o Barroco em relação ao seu contexto histórico e características artísticas.
     Dando continuidade, como ornamentar o texto barroco assim como as pinturas e esculturas são ornamentadas? Nesse sentido, existem duas técnicas de composição que se relacionam ao texto barroco. São o cultismo e o conceptismo. 

A) Cultismo - Tendo como maior influenciador o poeta espanhol Luis de Gongora y Argote (1561-1627), correspondia à busca da perfeição formal, principalmente nos textos poéticos, por meio do uso e abuso das figuras de linguagem, do rebuscamento linguístico (maneira erudita no escrever como na erudição do vocabulário) e do jogar com as palavras tempo e conta para mostrar a experiência frustrada do eu-lírico quando questionado sobre um momento determinado em que um relatório deveria ser prestado além de aconselhar o leitor a não cair na mesma armadilha.



SONETO DO TEMPO
Frei Antônio das Chagas (Portugal, 1631-1682)

Deus pede hoje estrita conta do meu tempo
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas como dar, sem tempo, tanta conta
Eu que gastei sem conta tanto tempo?

Para ter minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado e não fiz conta.
Não quis, tendo tempo, fazer conta.
Hoje quero fazer conta e não há tempo.

Oh! Vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo em fazer conta.

Pois aqueles que sem conta gastam tempo,
Quando o tempo chegar de prestar conta,
Chorarão, como eu, se não der tempo.

Disponível em:  http://pt.aleteia.org/2015/09/10/deus-pede-hoje-estrita-conta-do-meu-tempo-e-eu-vou-do-meu-tempo-dar-lhe-conta/


b) Conceptismo - Do espanhol concepto, ideia, corresponde, principalmente nos textos em prosa, ao jogo de ideias constituído pelas sutilezas do raciocínio e do pensamento lógico, analogias, histórias ilustrativas, etc. Na Espanha, o poeta Quevedo (1580-1645) é o principal representante dessa maneira especial de representar no papel as sutilezas do detalhe que caracterizam a arte barroca.
Abaixo, trecho inicial do Sermão de Quarta-Feira de Cinza, proferido em Roma, na Igreja de S. Antônio dos Portugueses, em 1672, pelo padre português Antônio Vieira (1608-1697), analisado em sala de aula. No fragmento, a forma sinuosa em que o autor constrói seus argumentos em relação a sermos pó (presente) e que seremos pó novamente (futuro-após a morte) exemplifica essa técnica de composição e se traduz na ornamentação do texto. 

Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris.[1]

I
   O pó futuro, em que nos havemos de converter, é visível à vista, mas o pó presente, o pó que somos, como poderemos entender essa verdade? A resposta a essa dúvida será a matéria do presente discurso.


   Duas coisas prega hoje a Igreja a todos os mortais, ambas grandes, ambas tristes, ambas temerosas, ambas certas. Mas uma de tal maneira certa e evidente, que não é necessário entendimento para crer; outra de tal maneira certa e dificultosa, que nenhum entendimento basta para a alcançar. Uma é presente, outra futura, mas a futura vêem-na os olhos, a presente não a alcança o entendimento. E que duas coisas enigmáticas são estas? Pulvis es, tu in pulverem reverteris: Sois pó, e em pó vos haveis de converter, – Sois pó, é a presente; em pó vos haveis de converter, é a futura. O pó futuro, o pó em que nos havemos de converter, vêem-no os olhos; o pó presente, o pó que somos, nem os olhos o vêem, nem o entendimento o alcança. Que me diga a Igreja que hei de ser pó: In pulverem reverteris, não é necessário fé nem entendimento para o crer. Naquelas sepulturas, ou abertas ou cerradas, o estão vendo os olhos. Que dizem aquelas letras? Que cobrem aquelas pedras? As letras dizem pó, as pedras cobrem pó, e tudo o que ali há é o nada que havemos de ser: tudo pó. Vamos, para maior exemplo e maior horror, a esses sepulcros recentes do Vaticano. Se perguntardes de quem são pó aquelas cinzas, responder-vos-ão os epitáfios, que só as distinguem: Aquele pó foi Urbano, aquele pó foi Inocêncio, aquele pó foi Alexandre, e este que ainda não está de todo desfeito, foi Clemente. De sorte que para eu crer que hei de ser pó, não é necessário fé, nem entendimento, basta a vista. Mas que me diga e me pregue hoje a mesma Igreja, regra da fé e da verdade, que não só hei de ser pó de futuro, senão que já sou pó de presente: Pulvis es? Como o pode alcançar o entendimento, se os olhos estão vendo o contrário? É possível que estes olhos que vêem, estes ouvidos que ouvem, esta língua que fala, estas mãos e estes braços que se movem, estes pés que andam e pisam, tudo isto, já hoje é pó: Pulvis es? Argumento à Igreja com a mesma Igreja: Memento homo. A Igreja diz-me, e supõe que sou homem: logo não sou pó. O homem é uma substância vivente, sensi­tiva, racional. O pó vive? Não. Pois como é pó o vivente? O pó sente? Não. Pois como é pó o sensitivo? O pó entende e discorre? Não. Pois como é pó o racional? Enfim, se me concedem que sou homem: Memento homo, como me pregam que sou pó: Quia pulvis es? Nenhuma coisa nos podia estar melhor que não ter resposta nem solução esta dúvida. Mas a resposta e a solução dela será a matéria do nosso discur­so. Para que eu acerte a declarar esta dificultosa verdade, e todos nós saibamos aproveitar deste tão importante desengano, peçamos àquela Senhora, que só foi ex­ceção deste pó, se digne de nos alcançar graça.
   Ave Maria.
   (...)

[1] Lembra-te homem, que és pó, e em pó te hás de converter.

Disponível em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=37357


   Na próxima postagem, vamos apresentar duas personalidades no contexto literário do Barroco em língua portuguesa: o padre Vieira (Portugal/Brasil) e Gregório de Matos (Brasil).

Fernando Fernandes

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