Na postagem anterior, apresentamos o Barroco em relação ao seu contexto histórico e características artísticas.
Dando continuidade, como ornamentar o texto barroco assim como as pinturas e esculturas são ornamentadas? Nesse sentido, existem duas técnicas de composição que se relacionam ao texto barroco. São o cultismo e o conceptismo.
A) Cultismo - Tendo como maior influenciador o poeta espanhol Luis de Gongora y Argote (1561-1627), correspondia à busca da perfeição formal, principalmente nos textos poéticos, por meio do uso e abuso das figuras de linguagem, do rebuscamento linguístico (maneira erudita no escrever como na erudição do vocabulário) e do jogar com as palavras tempo e conta para mostrar a experiência frustrada do eu-lírico quando questionado sobre um momento determinado em que um relatório deveria ser prestado além de aconselhar o leitor a não cair na mesma armadilha.
SONETO DO TEMPO
Frei Antônio das Chagas (Portugal, 1631-1682)
Deus pede hoje estrita conta do meu tempo
E eu vou, do meu tempo, dar-lhe conta.
Mas como dar, sem tempo, tanta conta
Eu que gastei sem conta tanto tempo?
Para ter minha conta feita a tempo,
O tempo me foi dado e não fiz conta.
Não quis, tendo tempo, fazer conta.
Hoje quero fazer conta e não há tempo.
Oh! Vós, que tendes tempo sem ter conta,
Não gasteis vosso tempo em passatempo.
Cuidai, enquanto é tempo em fazer conta.
Pois aqueles que sem conta gastam tempo,
Quando o tempo chegar de prestar conta,
Chorarão, como eu, se não der tempo.
Disponível em: http://pt.aleteia.org/2015/09/10/deus-pede-hoje-estrita-conta-do-meu-tempo-e-eu-vou-do-meu-tempo-dar-lhe-conta/
b) Conceptismo - Do espanhol concepto, ideia, corresponde, principalmente nos textos em prosa, ao jogo de ideias constituído pelas sutilezas do raciocínio e do pensamento lógico, analogias, histórias ilustrativas, etc. Na Espanha, o poeta Quevedo (1580-1645) é o principal representante dessa maneira especial de representar no papel as sutilezas do detalhe que caracterizam a arte barroca.
Abaixo, trecho inicial do Sermão de Quarta-Feira de Cinza, proferido em Roma, na Igreja de S. Antônio dos Portugueses, em 1672, pelo padre português Antônio Vieira (1608-1697), analisado em sala de aula. No fragmento, a forma sinuosa em que o autor constrói seus argumentos em relação a sermos pó (presente) e que seremos pó novamente (futuro-após a morte) exemplifica essa técnica de composição e se traduz na ornamentação do texto.
Memento homo, quia pulvis es, et in pulverem reverteris.[1]
I
O pó futuro, em que nos havemos de converter, é visível à vista, mas o pó presente, o pó que somos, como poderemos entender essa verdade? A resposta a essa dúvida será a matéria do presente discurso.(...)
[1] Lembra-te homem, que és pó, e em pó te hás de converter.
Disponível em: http://www.literaturabrasileira.ufsc.br/documentos/?action=download&id=37357
Na próxima postagem, vamos apresentar duas personalidades no contexto literário do Barroco em língua portuguesa: o padre Vieira (Portugal/Brasil) e Gregório de Matos (Brasil).
Fernando Fernandes
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