sábado, 14 de novembro de 2015

Arcadismo em Basílio da Gama e Santa Rita Durão

         Nas postagens anteriores sobre os destaques na literatura árcade portuguesa e brasileira, prendemo-nos na maior parte à lírica. Nesse documento, falaremos sobre a épica (longa narrativa em versos) árcade produzida por dois brasileiros.
               
BASÍLIO DA GAMA        
                O mineiro Basílio da Gama (pseudônimo Termindo Sipílio) foi jesuíta em um momento em que o ensino religioso foi proibido nos territórios portugueses (Portugal e Brasil). Viveu em Portugal e depois em Roma, conseguindo ingressar em uma das mais importantes agremiações literárias: a Árcádia Romana.
                O Uraguai, primeira grande epopeia brasileira, trata da luta de portugueses e espanhóis contra os índios e jesuítas que, instalados nas missões jesuíticas do atual Rio Grande do Sul, não queriam aceitar as decisões do Tratado de Madri, que envolvia permuta de terra entre portugueses e espanhóis. Escrita em cinco cantos ou capítulos, versos decassílabos sem rimas e sem a divisão tradicional por estrofes.
                A forma adotada pelo autor em valorizar o índio e a natureza brasileiras, fazem da obra um prenúncio das tendências do modelo literário que sucederia ao Arcadismo: o Romantismo.
                Conheçamos um trecho da obra, em que a índia Lindoia foge em função de um casamento forçado, prestes a se realizar, com o Baldeta, filho do Jesuíta Balda. Ela prefere morrer a se entregar sem amor a outra pessoa. Já haviam assassinado o seu amado, o índio Cacambo. Na floresta, é procurada por outros índios.
                Na leitura, observe como há uma relação entre o ambiente descrito (a fonte rouca, o tronco do fúnebre cipreste, a sombra melancólica, a serpente) e o sentimento da índia.

(...)
Entram enfim na mais remota, e interna
Parte do antigo bosque, escuro e negro,
Onde ao pé de uma lapa cavernosa
Cobre uma rouca fonte, que murmura,
Curva latada de jasmins, e rosas.
Este lugar delicioso, e triste,
Cansada de viver, tinha escolhido
Para morrer a mísera Lindóia.
Lá reclinada, como que dormia,
Na branda relva, e nas mimosas flores,
Tinha a face na mão, e a mão no tronco
De um fúnebre cipreste, que espalhava
Melancólica sombra. Mais de perto
Descobrem que se enrola no seu corpo
Verde serpente, e lhe passeia, e cinge
Pescoço, e braços, e lhe lambe o seio.
Fogem de a ver assim sobressaltados,
E param cheios de temor ao longe;
E nem se atrevem a chamá-la, e temem
Que desperte assustada, e irrite o monstro,
E fuja, e se apresse no fugir a morte.
Porém o destro Caitutu, que treme
Do perigo da irmã, sem mais demora
Dobrou as pontas do arco, e quis três vezes
Soltar o tiro, e vacilou três vezes
Entre a ira, e o temor. Enfim sacode
O arco, e faz voar a aguda seta,
Que toca o peito de Lindóia, e fere
A serpente na testa, e a boca, e os dentes
Deixou cravados no vizinho tronco.
Açoita o campo coa ligeira cauda
O irado monstro, e em tortuosos giros
Se enrosca no cipreste, e verte envolto
Em negro sangue o lívido veneno.
Leva nos braços a infeliz Lindóia
O desgraçado irmão, que ao despertá-la
Conhece, com que dor no frio rosto
Os sinais do veneno, e vê ferido
Pelo dente sutil o brando peito.
Os olhos, em que Amor reinava, um dia
Cheios de morte; e muda aquela língua
Que ao surdo vento e aos ecos tantas vezes
Contou a larga história de seus males.
Nos olhos Caitutu não sofre o pranto,
E rompe em profundíssimos suspiros,
Lendo na testa da fronteira gruta
De sua mão já trêmula gravado
O alheio crime e a voluntária morte.
E por todas as partes repetido
O suspirado nome de Cacambo.
Inda conserva o pálido semblante
Um não sei quê de magoado e triste,
Que os corações mais duros enternece
Tanto era bela no seu rosto a morte!
(...)

                Na leitura feita:

a) Lindoia foi encontrada ainda viva? Caso positivo, qual foi o desfecho em relação a índia?



JOSÉ DE SANTA RITA DURÃO
                Santa Rita Durão, mineiro, também estudou na escola de jesuítas e tornou-se professor de Teologia.
                Caramuru (filho do trovão) trata das aventuras tanto históricas quanto lendárias do náufrago português Diogo Álvares Correia no litoral baião, no século XVI. O contato com os indígenas rende a Diogo ser alvo de disputa amorosa por índias da tribo, especialmente Moema. Seguindo o modelo de Camões quando de Os Lusíadas, Caramuru possui a mesma estrutura: dez cantos, versos decassílabos e rimas ABABABCC.
                Conheçamos um trecho da obra em que Diogo está de partida para Portugal e Moema, desesperada, nada atrás do barco tentando pegar carona.
                Na leitura, descubra se Moema consegue ou não alcançar Diogo.

Copiosa multidão da nau francesa
Corre a ver o espetáculo, assombrada;
E ignorando a ocasião da estranha empresa,
Pasma da turba feminil, que nada.
Uma que às mais parece em gentileza,
Não vinha menos bela, do que irada;
Era Moema, que de inveja geme,
E já vizinha à nau se apega ao leme.

Bárbaro (a bela diz) tigre e não homem...
Porém o tigre, por cruel que brame,
Acha forças no amor, que enfim o domem;
Só a ti não domou, por mais que eu te ame.
Fúrias, raios, coriscos, que o ar consomem,
Como não consumis aquele infame?
Mas pagar tanto amor com tédio e asco...
Ah! Que corisco és tu... raio... penhasco!

Bem puderas, cruel, ter sido esquivo,
Quando eu a fé rendia ao teu engano;
Nem me ofenderas a escutar-me ativo,
Que é favor, dado a tempo, um desengano:
Porém deixando o coração cativo
Com fazer-te a meus rogos sempre humano,
Fugiste-me, traidor, e desta sorte
Paga meu fino amor tão crua morte?

Tão dura ingratidão menos sentira
E esse fado cruel doce me fora,
Se o meu despeito triunfar não vira
Essa indigna, essa infame, essa traidora:
Por serva, por escrava te seguira,
Se não temera de chamar senhora
A vil Paraguaçu, que, sem que o creia,
Sobre ser-me inferior, é néscia e feia.

Enfim, tens coração de ver-me aflita,
Flutuar, moribunda entre estas ondas;
Nem o passado amor teu peito incida
A um ai somente, com que aos meus respondas:
Bárbaro, se esta fé teu peito irrita,
(Disse, vendo-o fugir) ah não te escondas;
Dispara sobre mim o teu cruel raio...
E indo a dizer o mais, cai num desmaio.

Perde o lume dos olhos, pasma e treme,
Pálida a cor, o aspecto moribundo;
Com a mão já sem vigor, soltando o leme,
Entre as salsas escumas desce ao fundo:
Mas na onda do mar, que irado freme
Tornando a aparecer desde o profundo,
- Ah Diogo cruel! - disse com mágoa,
E sem mais vista ser, sorveu-se na água.


                Aproveitemos a oportunidade para comparar os dois exemplos literários.

a) Qual dos dois fragmentos lhe parece mais dramático, mais intenso, em termos dos episódios apresentados?

b) Em qual deles a figura do índio parece mais integrado à natureza?

                Nessa e em outras postagens que envolvem o Barroco e o Arcadismo, agradeço a inestimável ajuda de  livros didáticos utilizados no Ensino Médio, além de inúmeras citações da internet: Português Linguagens, volume 1 (Willian Cereja e Thereza Magalhães), Arte Literária – Portugal e Brasil (Clenir B. de Oliveira), Palavra e Arte (Tania Pellegrini e Marina Ferrreira), Português e Português: contexto, interlocução e sentido (Maria Abaurre, Marcela Pontara, Tatiana Fadel, Maria Abaurre) e Novas Palavras (Emilia Amaral, Mauro Ferreira, Ricardo Leite e Severino Antônio). sem os quais eu teria de reler  as duas épicas especificamente para propor uma linha didática para essa postagem.


Fernando Fernandes

sexta-feira, 13 de novembro de 2015

Arcadismo e Cláudio Manoel da Costa

           Nas postagens anteriores, conhecemos um pouco da obra de Bocage e de Tomás Antônio Gonzaga. Também foram feitas análises com possibilidades de interpretação e reconhecimento de características literárias.
         Agora, conheceremos aquele que trouxe para o Brasil as tendências artísticas do Neoclassicismo, o Arcadismo: Cláudio Manoel da Costa.
                Brasileiro, nascido em 1729, foi jesuíta e formou-se em Direito em Portugal. Além das suas atividades profissionais, também envolveu-se na Inconfidência Mineira junto a outros inconfidentes, como Tiradentes e Tomás Antônio Gonzaga. Em 1789, foi encontrado morto onde estava preso.
                Com o pseudônimo de Glauceste Satúrnio, soube trabalhar os temas árcades embora se saísse melhor em relação aos temas clássicos, especialmente aqueles que foram desenvolvidos no Renascimento em Portugal, via Camões.
                Conheçamos um pouco da sua obra por meio da análise de dois sonetos.

Torno a ver-vos, ó montes; o destino
Aqui me torna a pôr nestes oiteiros;
Onde um tempo os gabões deixei grosseiros
Pelo traje da Corte rico, e fino.

Aqui estou entre Almendro, entre Corino,
Os meus fiéis, meus doces companheiros,
Vendo correr os míseros vaqueiros
Atrás de seu cansado desatino.

Se o bem desta choupana pode tanto,
Que chega a ter mais preço, e mais valia,
Que da cidade o lisonjeiro encanto;

Aqui descanse a louca fantasia;
E o que te agora se tornava em pranto,
Se converta em afetos de alegria.

                O poema, também enquadrado como soneto italiano, possui  rimas ABBA / ABBA / CDC / DCD e versos decassílabos.
          
               Em relação aos temas latinos, temos:
a) Locus amoenus – a alegria do eu lírico em retornar ao ambiente campestre.
b) Locus horrendus – a Corte, onde viveu parte da vida.
c) Fugere urbem – a saída da Corte demonstra esse deixar a cidade para retornar ao campo.
d) Inutilia truncat  / Aurea mediocritas – o eu lírico abre mão dos luxos da corte (Inutilia truncat) em função da vida simples e feliz no campo (Aurea mediocritas).

                Os nomes Almendro e Corino resgatam a cultura grego-romana.
          
               Deixo o seguinte desafio.
a) A partir do vocabulário do poema, monte uma tabela com duas colunas, uma para cidade e outra para o campo. Em seguida, localize no poema que palavras remetem à cidade e ao campo e transcreva-as para a tabela.

b) Em relação às palavras do eu lírico aos montes, onde ele se sente melhor? Na infância / atualmente ou no período em que viveu na Corte? Justifique sua resposta.
               
Quem deixa o trato pastoril amado
Pela ingrata, civil correspondência,
Ou desconhece o rosto da violência,
Ou do retiro a paz não tem provado.

Que bem é ver nos campos transladado
No gênio do pastor, o da inocência!
E que mal é no trato, e na aparência
Ver sempre o cortesão dissimulado!

Ali respira amor sinceridade;
Aqui sempre a traição seu rosto encobre;
Um só trata a mentira, outro a verdade.

Ali não há fortuna, que soçobre;
Aqui quanto se observa, é variedade:
Oh ventura do rico! Oh bem do pobre!

                Esse outro poema, também enquadrado como soneto italiano, possui  rimas ABBA / ABBA / CDC / DCD e versos decassílabos.
                A linha interpretativa dele é similar ao primeiro poema. Nesse sentido, deixo algumas questões em aberto:
a) O poema faz um jogo com os advérbios ali e aqui. Pensando no binômio cidade / campo, o aqui refere-se ________________ e o aqui refere-se ___________________.

b) Identifique os temas latinos explicados acima nesse poema:
b.1) Locus amoenos
b.2) Locus horrendus
b.3) Fugere urbem
b.4) Inutilia truncat
b.5) Aurea mediocritas

c) Seguindo o modelo sugerido pela tabela explicada no primeiro poema, faça o mesmo, agora completando a tabela com as diversas características da cidade e do campo a partir do vocabulário do poema

                Para fechar essa postagem, cada um de nós possui uma preferência própria em relação a lugares que nos fazem felizes ou infelizes. E é importante que saibamos reconhecer isso sob pena de violentar-nos ao viver em locais que nos entristecem.
                Em relação ao Arcadismo, o fingimento poético praticado nessa arte prega que a cidade é local negativo enquanto o campo representa o ideal de felicidade.


http://www.etimologista.com/2012/10/as-escolas-literarias-o-arcadismo.html
Fernando Fernandes

Arcadismo e Tomás Antônio Gonzaga

            Na postagem anterior, conhecemos um pouco da obra do árcade português Bocage e discutimos um pouco sobre as características literárias do Arcadismo, além de conhecer três poemas da sua autoria.
                  Hoje,  falaremos um pouco sobre Tomás Antônio Gonzaga.
                Nascido em Portugal e formado em Direito na cidade de Coimbra, no Brasil exerceu suas atividades profissionais. Por conta da sua atividade artística e sua militância política a favor da independência  brasileira (Inconfidência Mineira), foi preso e deportado para Moçambique onde faleceu em 1810, aos 66 anos de idade.
                Sua atuação literária abrangeu duas grandes vertentes: a lírica e a satírica.
                A primeira vertente, a lírica, está representada pela obra Marilia de Dirceu. Nessa lírica, as principais temáticas árcades são representadas na primeira parte desse trabalho; na segunda parte, o eu lírico adota um tom mais trágico em função da sua atual situação, preso e incerto quanto ao seu futuro.
                A segunda vertente está representada pela obra Cartas Chilenas. Nesse trabalho, o autor se vale do fingimento poético: Critilo (o remetente) dirige suas palavras a Doroteu (destinatário) que vivia supostamente na Espanha para expor suas críticas ao governo do Fanfarrão Minésio (o assunto das cartas). Na verdade, essas cartas circularam anônimas e são denúncias feitas por Tomás A. Gonzaga em relação ao governador de Minas Gerais, Luís da Cunha Meneses.
                Feitas as considerações teóricas, vamos à prática.

Marília de Dirceu – fase árcade tradicional – LIRA XVIII


Não vês aquele velho respeitável,
Que, à muleta encostado,
Apenas mal se move e mal se arrasta?
Oh! Quanto estrago não lhe fez o tempo,
O tempo arrebatado,
Que o mesmo bronze gasta!

Enrugaram-se as faces e perderam
Seus olhos a viveza:
Voltou-se o seu cabelo em branca neve
Já lhe treme a cabeça, a mão, o queixo,
Não tem uma beleza
Das belezas que teve.

Assim também serei, minha Marília,
Daqui a poucos anos,
Que o ímpio tempo para todos corre.
Os dentes cairão e os meus cabelos.
Ah! Sentirei os danos,
Que evita só quem morre.

Mas sempre passarei uma velhice
Muito menos penosa.
Não trarei a muleta carregada,
Descansarei o já vergado corpo
Na tua mão piedosa,
Na tua mão nevada.

As frias tardes, em que negra nuvem
Os chuveiros não lance,
Irei contigo ao prado florescente:
Aqui me buscarás um sítio ameno,
Onde os membros descanse,
E ao branco Sol me aquente.

Apenas me sentar, então, movendo
Os olhos por aquela
Vistosa parte, que ficar fronteira,
Apontando direi: Ali falamos,
Ali, ó minha bela,
Te vi vez primeira.

Verterão os meus olhos duas fontes,
Nascidas de alegria;
Farão meus olhos ternos outro tanto;
Então darei, Marília, frios beijos
Na mão formosa e pia,
Que me limpar o pranto.

Assim irá, Marília, docemente
Meu corpo suportando
Do tempo desumano a dura guerra.
Contente morrerei, por ser Marília
Quem, sentida, chorando
Meus baços olhos cerra.



Vocabulário:
Arrebatado: Levado pelos ares
Baços: Embaçados, turvos
Cerrar: Fechar
Ímpio: Sem compaixão, cruel
Pia: Piedosa
Prado: Campina
Sítio: Um local qualquer, quando não se quer identificar
Vergado: Curvado
Verterão: Derramarão
Vistosa: Garbosa, o que se destaca




                Essa lira é composta por oito estrofes com seis versos cada. Em cada estrofe, versos com medida nova (decassílabos), medida velha (versos hexassílabos) e rimas ABCDBC.
                Tendo como ponto de partida que a vida é breve (sentido físico e psicológico)  e que um dia, caso não morramos enquanto somos jovens viveremos a terceira idade, o eu lírico inicia sua reflexão na observação de um idoso e a constatação de que também será assim, com todas as desvantagens de um corpo já cansado.
                Entretanto, os prejuízos causados pela velhice serão diminuídos pelo fato do eu lírico projetar nesse futuro  a companhia de  Marilia  para viver determinados momentos tais como descansar seu vergado corpo nas mão dela (4ª estrofe); irem novamente ao campo onde, pela primeira vez eles se encontraram e se beijaram (5ª,  6ª e 7ª estrofes) e a certeza de que ele morrerá ao lado dela a ponto de ser ela quem fechará os olhos dele (8ª estrofe).
                Em uma sociedade em que o sentido de fluidez e o descarte se fazem tão presentes na mídia e nos nossos relacionamentos (namoro, noivado, casamento, etc) a impressão que se tem que podemos trocar de pessoa assim como trocamos de objetos. Se um celular mais moderno é lançado, rapidamente descartamos o atual a fim de acompanharmos a nova tecnologia; se meu (minha) parceiro(a) não me agrada mais, imediatamente buscamos uma outra pessoa.
                O fragmento lido mostra o contrário. Revela um casal que se ama desde a juventude e que pretende permanecer juntos até que a morte o separe, lá na velhice.
                A reflexão que deixo é a seguinte. Como eu e você encaramos nossos relacionamentos? Somos capazes de ceder para que a convivência perdure ou nossa razão é tão forte a ponto de não ser possível mais esse convívio?

Marília de Dirceu – fase  sentimental – LIRA XXXIII

Morri, ó minha Bela:
Não foi a Parca impia,
Que na tremenda roca,
Sem Ter descanso, fia;
Não foi, digo, não foi a Morte feia
Quem o ferro moveu, e abriu no peito
A palpitante veia.

Eu, Marília, respiro;
Mas o mal, que suporto,
É tão tirano, e forte,
Que já me dou por morto:
A insolente calúnia depravada
Ergueu-se contra mim, vibrou da língua
A venenosa espada.

Inda, ó Bela, não vejo
Cadafalso enlutado,
Braço de ferro armado;
Mas vivo neste mundo,
ó sorte impia,
E dele só me mostra a estreita fresta
O quando é noite, ou dia.

Olhos baços, e sumidos,
Macilento, e descarnado,
Barba crescida, e hirsuta,
Cabelo desgrenhado;
Ah! que imagem tão digna de piedade!
Mas é, minha Marília, como vive
Um réu de Majestade.

Venha o processo, venha;
Na inocência me fundo:
Mas não morreram outros,
Que davam honra ao mundo!
O tormento, minha alma, não recuses:
A quem sábio cumpriu as leis sagradas
Servem de sólio as cruzes.

Tu, Marília, se ouvires,
Que ante o teu rosto aflito
O meu nome se ultraja
C’o suposto delito,
Dize severa assim em meu abono:
“Não toma as armas contra um Cetro justo
“Alma digna de um trono



                Essa lira é composta por seis estrofes com seis versos cada. Em cada estrofe, versos com medida nova (decassílabos), medida velha (versos hexassílabos) e rimas ABCBDED (com variantes sonoras).
                O eu lírico revela uma situação bastante constrangedora e deprimente e desabafa isso para sua amada. A tirania e a injustiça que abate o eu lírico é tanta que ele se considera um morto (1ª e 2ª estrofes), ainda na prisão (3ª estrofe). Ele se descreve (4ª estrofe) como alguém fisicamente derrubado e pede a Marilia (5 ª e 6ª estrofes) que, ao ouvir as acusações que pesam sobre ele, que não sejam levadas a sério.
                Sem querer entrar no mérito se o eu lírico tem ou não tem razão em suas queixas em relação ao que ele revela, quantas injustiças são praticadas atualmente? Por desmandos administrativos diversos, a população é quem paga a conta. Por arbitrariedade de um motorista que se acha no direito de beber, outra família é quem chora a perda de seu filho; por falha de uma competente apuração policial, um inocente pode ser condenado.
                O melhor remédio para essa e outras injustiças é cada um de nós sermos o mais ético, mais justo, o mais isento possível. Assumir os prejuízos quando for o causador destes; caso inocente, lutar pelos seus direitos.

Cartas Chilenas

"Aquele, Doroteu, que não é santo,
mas quer fingir-se santo aos outros homens,
pratica muito mais do que pratica
quem segue os sãos caminhos da verdade.
mal se põe nas igrejas, de joelhos,
abre os braços em cruz, a terra beija,
entorta seu pescoço, fecha os olhos,
faz que chora, suspira, fere o peito
e executa outras muitas macaquices,
estando em parte onde o mundo as veja."

                Sendo um poema organizado em treze cartas com versos decassílabos brancos (sem rima), conheçamos esse pequeno fragmento de uma dessas cartas.
                Certa feita, presenciei o que relato a seguir. Determinado candidato a um cargo público, quando em campanha, visitou um templo evangélico e se comportou como se evangélico fosse. Se ele tivesse visitado uma igreja católica, também teria agido como tal.
                O fragmento acima critica exatamente isso. Critilo, em suas palavras para Doroteu, critica a falsidade religiosa do Fanfarrão Minésio. Ao imitar os religiosos, Critilo associa a macaco a atitude desse religioso mascarado que apenas quer se fazer de santo ao imitar os fiéis daquela comunidade religiosa.
                O erro do Fanfarrão Minésio é, muitas vezes, o nosso erro. Quando falamos algo e não fazemos ou fazemos o que não falamos, agimos igual ao governante do fragmento.
                Ensinar que o fumo faz mal à saúde e ao mesmo ser fumante; e pregar que a prática física é essencial para o bem estar e ao mesmo tempo ser um sedentário são exemplos no que o Fanfarrão Minésio é criticado.

                Viver o que se prega é condição essencial para uma verdadeira ética social, seja em que área da vida for.

Fernando Fernandes

terça-feira, 10 de novembro de 2015

Arcadismo e Bocage

               Nessa postagem, vamos conhecer uma pequena parte da obra do português Manoel Maria Barbosa du Bocage (Elmano Sadino). Não temos a pretensão de esgotar todo o assunto, entretanto, trabalharemos duas vertentes desse autor: o seu lado árcade tradicional e o seu lado pré-romântico.
                O que chamamos de árcade tradicional equivale à visão adotada pela arte do século XVIII, em que a verdadeira felicidade está no campo (locus amoenos associado ao carpe diem) em oposição à cidade (locus horrendus), local de experiências que não trouxeram a necessária paz. Ao optar pelo campo, o eu-lírico abre mão do conforto e do luxo da cidade (nesse momento, tais prazeres se tornam supérfluos – inutiliza truncat) e busca na simplicade (aurea mediocritas) a verdadeira felicidade. A citação a elementos da mitologia greco-romana também é característica contemplada pelo Arcadismo uma vez que o referencial cultural é o clássico (renascentista ou da Grécia e Roma antigas).
                Quanto ao pré-romantismo de Bocage, é uma maior valorização e intensificação do seu sentimento interior, que se amplia: do simples desejo de ser feliz em ambiente campestre ou bucólico para um maior egocentrismo em relação ao que sente.
                   Conheçamos três poemas de Bocage. E breves comentários sobre cada um.
                Partamos, então, para a prática.

Olha, Marilia, as flautas dos pastores,
Que bem que soam, como estão cadentes!
Olha o Tejo a sorrir-se! Olha: não sentes
Os Zéfiros brincar por entre as flores?

Vês como ali, beijando-se, os Amores
Incitam nossos ósculos ardentes!
Ei-las de planta em planta as inocentes,
As vagas borboletas de mil cores!

Naquele arbusto o rouxinol suspira;
Ora nas folhas a abelhinha para.
Ora nos ares, sussurrando, gira.

Que alegre campo! Que manhã tão clara!
Mas ah!, tudo o que vês se eu não te vira,
Mais tristeza que a noite me causara.
               
                O poema acima, formalmente enquadrado como soneto italiano com rimas ABBA / ABBA / CDC / DCD e versos decassílabos ilustra a fase árcade tradicional do autor.
                Há clara evidência do bucolismo pela descrição de um belo cenário próximo ao rio Tejo (em Portugal) onde inúmeras borboletas coloridas voam entre as flores, um rouxinol  entoa seu belo campo e a abelha  brinca ora nas folhas, ora nos ares, tudo ao som das flautas dos pastores. O cenário (locus amoenos) é  perfeito para desfrutar o carpe diem.
                Complementando a descrição desse cenário, há Zéfiros (na mitologia grega, vento do Oeste) brincando entre as flores e os Amores trocando beijos (com letra maiúscula, vai muito além do que podemos imaginar, pois depende do que o eu lírico contempla naquele momento, associado a esses beijos) remetem ao cultural greco-romano.
                Contudo, esse belo locus amoenos se transforma em locus horrendus simplesmente pela ausência da amada no cenário, pois o eu lírico, na sua imaginação, dirige suas palavras a Marilia.
                Nossa vida é assim. Há locais agradáveis e locais desagradáveis. Subjetivamente falando, o que me agrada pode desagradar você em termos de lugar. Entretanto, a visão árcade de felicidade projeta um ideal de felicidade junto à natureza em companhia da amada.
                 Você concorda com a visão árcade de felicidade? 

x-x-x

Ser prole de varões assinalados,
Que nas asas da fama e da vitória
Ao templo foram da imortal memória
Pendurar mil troféus ensanguentados;

Ler seus nomes nas páginas gravados
De alta epopeia, de elegante história,
Não, não vos serve de esplendor, de glória,
Almas soberbas, corações inchados!

Ouvir com dor o miserável grito
De inocentes, que um bárbaro molesta,
Prezar o sábio, consolar o aflito;

Prender teus voos, Ambição funesta,
Ter amor à virtude, ódio ao delito,
«Das almas grandes a nobreza  é esta».


                Esse outro poema, também formalmente enquadrado como soneto italiano com rimas ABBA / ABBA / CDC / DCD e versos decassílabos, traz uma temática menos fácil de ser reconhecida como árcade tradicional.
                Que tema interessante é discutido nesse segundo exemplo de poesia! Você já parou para refletir sobre o verdadeiro conceito de herói? Caso negativo, esse poema pode ajudá-lo.
                O eu lírico apresenta duas concepções de herói e manifesta claramente sua preferência por uma delas e, rejeição à outra.
                A primeira refere-se àquele tipo de herói relacionado à fama, ao poder, à conquista, à capacidade, à posse, à tirania, ao despotismo, ao absolutismo, etc. No poema, são caracterizados como almas soberbas, corações inchados.
                A segunda, bem diferente da anterior, poderia ser traduzida pelo verso bíblico alegrar-se com os que se alegram e chorar com os que choram (Romanos 12, 15). Os dois tercetos afirmam exatamente isso: ser capaz de estimar, respeitar, honrar o sábio (metaforicamente, quem merece honra) e consolar  por compreender a dor do outro.
                Esse poema, com cerca de 300 anos de existência, chama nossa atenção para nossas ações. Que tipo de pessoa você pretende ser? Como você gostaria de ser lembrado? O que vão falar sobre você após sua partida desse mundo?
                O eu lírico deu a resposta dele no último verso do poema.
                A sua resposta se alinha ao eu lírico, ou não?

x-x-x

Oh retrato da morte, oh noite amiga
Por cuja escuridão suspiro há tanto!
Calada testemunha do meu pranto,
Des meus desgostos secretária antiga!

Pois manda Amor, que a ti somente os diga,
Dá-lhes pio agasalho no teu manto;
Ouve-os, como costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a delirar me obriga:

E vós, oh cortesãos da escuridade,
Fantasmas vagos, mochos piadores,
Inimigos, como eu, da claridade!

Em bandos acudi aos meus clamores;
Quero a vossa medonha sociedade,
Quero fartar meu coração de horrores.



                Esse terceiro poema, também formalmente enquadrado como soneto italiano com rimas ABBA / ABBA / CDC / DCD e versos decassílabos, traz uma temática distante do Arcadismo. Exemplifica a segunda fase do autor, chamada de fase pré-romântica. Nela, os sentimentos ficam mais intensos, mais profundos.
                A morte é vista pelo eu lírico como companheira antiga e silenciosa do sofrimento dele. Essa interação é tão forte que deseja cobrir-se com seu manto, o manto da morte.
                Nos dois tercetos o eu lírico implora, clama, rasga seu coração, anseia pelo  atendimento dos seus clamores em associar-se à própria morte, hiperônimo de  cortesãos da escuridade, fantasmas vagos, mochos piadores a fim de saciar seu coração.
                Que tipo de sentimentos uma pessoa possui quando enxerga na morte a única e verdadeira solução para seus problemas? O poema ajuda nessa resposta. Preste bastante atenção no vocabulário empregado (morte, escuridão, pranto, desgosto, cruel, escuridade, etc) e o que irá fartar o coração do eu lírico.

                Que coisas você tem buscado para saciar seu coração?

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sábado, 7 de novembro de 2015

Arcadismo geral



      Falar sobre o Arcadismo, arte produzida no período neoclássico, é falar sobre uma arte que possui a Arcádia, antiga região mitológica habitada por pastores e deuses, sua fonte de inspiração. 
      Para entendermos melhor esse belo movimento artístico, contextualizemos melhor o período onde ele floresceu.
   O século XVIII é conhecido como o Século das Luzes, período onde predomina a razão, o racionalismo, o gosto pela experiência científica. Nesse sentido, luzes significa que a ciência e a razão são fontes que esclarecem, apontam o melhor caminho para a plena realização humana. Tudo em oposição ao sistema feudal existente e aos diversos dogmas, principalmente os oriundos da Reforma e da Contrarreforma. Há, agora, uma burguesia que se consolida.
     Considerando o Neoclassicismo como um todo, conheçamos amostras das diversas partes (Ciência, Filosofia, Academia, Pintura, Escultura, Arquitetura) que o compõem para que possamos perceber que as luzes se fizeram presentes.
      

a) Ciência
- Isaac Newton (1642/1727) e sua Lei da Inércia, Lei do Movimento, Lei da Ação e Reação;
- Farenheit (1686/1736) e Celsius (1701/1744) e suas respectivas escalas termométricas;

b) Filosofia
-Voltaire (1694/1778) e o combate vigoroso à censura que a igreja praticava;
- Montesquieu (1689/1755) e a divisão do poder absoluto em Executivo e Legislativo;

c) Conhecimento acadêmico
- D'Alembert (1717/1783) e Diderot (1713/1784) são considerados os criadores da primeira enciclopédia moderna, a Encyclopédie, de 28 volumes, 71 818 artigos, e 2 885 ilustrações, em 1772, tendo como colaboradores Rousseau, Voltaire, Montesquieu e outros ensaístas ilustres. 

d) Pintura
- A claridade e a nitidez nos contornos, o emprego de cores claras, a temática voltada para o campo (bucolismo), simetria, proporção, suavidade no uso da luz e a alusão à mitologia greco-romana se fazem presente, bem como aos temas ligados ao ambiente rural (a própria palavra Arcadismo remete a uma região pastoril da Grécia Antiga).

Mr. and Mrs. Andrews, 1749 - Thomas Gainsborough
Mr and Mrs Andrews (1750) - Thomas Gainsborough
https://www.wikiart.org/en/thomas-gainsborough/mr-and-mrs-andrews-1749?utm_source=returned&utm_medium=referral&utm_campaign=referral




Toalete de Vênus (1751) - François Voucher
https://upload.wikimedia.org/wikipedia/commons/7/71/TheToilet_ofVenus1751.JPG



e) Escultura
- Compare os exemplos abaixo: renascentista, barroco e neoclássico, nessa ordem.Observe que a escultura renascentista e a neoclássica são similares quanto à leveza e o não excesso de ornamentos, o que não acontece ao exemplo barroco, extremamente ornamentado.

Davi - Michelângelo -
http://pre-historia-da-arte.tumblr.com/


image
Êxtase de Santa Teresa,  Gian Lorenzo Bernini - 1598
http://pre-historia-da-arte.tumblr.com/

Resultado de imagem para as tres garças neoclassicismo
As Três Graças (1770-1844) -  Thorvaldsen
https://pt.wikipedia.org/wiki/Neoclassicismo#/media/File:The_Graces_Listening_to_Cupid
%27s_Song_2_-_Thorvaldsens_Museum_-_DSC08571.jpg


f) Arquitetura


- Os elementos clássicos retornaram, como uma reação aos excessos do barroco. a leveza e a simplicidade de seus elementos. Observe as imagens abaixo. A primeira é exemplo do barroco; as demais, neoclássicas.


Igreja barroca em Ouro Preto - MG
http://oglobo.globo.com/blogs/arquivos_upload/2009/01/129_302-Francsico,%20Ouro%20Preto.jpg



Palácio imperial em Petrópolis
http://static.panoramio.com/photos/original/8117938.jpg
Igreja de nossa Senhora de Candelária, RJ.
Igreja da Candelária
http://farm3.static.flickr.com/2076/2525555965_98a789a8f3_b.jpg

      Esperamos que essas noções gerais sobre os diferentes olhares que permitem descortinar o período iluminista possam ter ajudado.
         Na internet, existe muito material sobre o assunto. Deixo com o leitor essa navegação.
         Sobre a literatura, teremos postagens específicas adiante.
Fernando Fernandes

segunda-feira, 2 de novembro de 2015

Formação de Palavras - orientação de estudo

Olá, gente.

Divulgamos anteriormente para os que estavam presente nas aulas da última semana de outubro sobre a leitura, estudo e realização de tarefas referente às páginas 352 a 362 (unidade IV, capítulo 6) do nosso livro didático.

Para auxiliá-los em seus estudos, deixo indicado alguns endereços eletrônicos que podem ser consultados para aprofundamento.

a) Slides sobre o assunto:


b) Lista de radicais, prefixos e sufixos:
http://www.etepiracicaba.org.br/cursos/exercicios/em/radicais1.pdf

c) Exercícios sobre o assunto:

http://www.portuguesconcurso.com/2009/07/estrutura-e-formacao-das-palavras.html

Há muito mais sobre o assunto. Mas creio que essas indicações irão ajudá-lo na compreensão do assunto.

Um abraço.

Fernando Fernandes