Nessa postagem, vamos conhecer
uma pequena parte da obra do português Manoel Maria Barbosa du Bocage (Elmano
Sadino). Não temos a pretensão de esgotar todo o assunto, entretanto,
trabalharemos duas vertentes desse autor: o seu lado árcade tradicional e o seu
lado pré-romântico.
O
que chamamos de árcade tradicional equivale à visão adotada pela arte do século
XVIII, em que a verdadeira felicidade está no campo (locus amoenos associado ao
carpe diem) em oposição à cidade (locus horrendus), local de experiências que
não trouxeram a necessária paz. Ao optar pelo campo, o eu-lírico abre mão do
conforto e do luxo da cidade (nesse momento, tais prazeres se tornam supérfluos
– inutiliza truncat) e busca na simplicade (aurea mediocritas) a verdadeira
felicidade. A citação a elementos da mitologia greco-romana também é característica
contemplada pelo Arcadismo uma vez que o referencial cultural é o clássico
(renascentista ou da Grécia e Roma antigas).
Quanto
ao pré-romantismo de Bocage, é uma maior valorização e intensificação do seu
sentimento interior, que se amplia: do simples desejo de ser feliz em ambiente
campestre ou bucólico para um maior egocentrismo em relação ao que sente.
Conheçamos três poemas de Bocage. E breves comentários sobre cada um.
Partamos,
então, para a prática.
Olha, Marilia, as
flautas dos pastores,
Que bem que soam,
como estão cadentes!
Olha o Tejo a
sorrir-se! Olha: não sentes
Os Zéfiros brincar
por entre as flores?
Vês como ali,
beijando-se, os Amores
Incitam nossos ósculos
ardentes!
Ei-las de planta em
planta as inocentes,
As vagas borboletas
de mil cores!
Naquele arbusto o
rouxinol suspira;
Ora nas folhas a
abelhinha para.
Ora nos ares,
sussurrando, gira.
Que alegre campo! Que
manhã tão clara!
Mas ah!, tudo o que
vês se eu não te vira,
Mais tristeza que a
noite me causara.
O
poema acima, formalmente enquadrado como soneto italiano com rimas ABBA / ABBA
/ CDC / DCD e versos decassílabos ilustra a fase árcade tradicional do autor.
Há
clara evidência do bucolismo pela descrição de um belo cenário próximo ao rio
Tejo (em Portugal) onde inúmeras borboletas coloridas voam entre as
flores, um rouxinol entoa seu belo campo e a abelha brinca ora nas
folhas, ora nos ares, tudo ao som das flautas dos pastores. O cenário (locus
amoenos) é perfeito para desfrutar o
carpe diem.
Complementando
a descrição desse cenário, há Zéfiros (na mitologia grega, vento do Oeste) brincando
entre as flores e os Amores trocando beijos (com letra maiúscula, vai muito
além do que podemos imaginar, pois depende do que o eu lírico contempla naquele
momento, associado a esses beijos) remetem ao cultural
greco-romano.
Contudo,
esse belo locus amoenos se transforma em locus horrendus simplesmente pela
ausência da amada no cenário, pois o eu lírico, na sua imaginação, dirige suas
palavras a Marilia.
Nossa
vida é assim. Há locais agradáveis e locais desagradáveis. Subjetivamente
falando, o que me agrada pode desagradar você em termos de lugar. Entretanto, a
visão árcade de felicidade projeta um ideal de felicidade junto à natureza em
companhia da amada.
Você concorda com a visão árcade de felicidade?
x-x-x
Ser prole de varões
assinalados,
Que nas asas da fama
e da vitória
Ao templo foram da
imortal memória
Pendurar mil troféus
ensanguentados;
Ler seus nomes nas
páginas gravados
De alta epopeia, de
elegante história,
Não, não vos serve de
esplendor, de glória,
Almas soberbas,
corações inchados!
Ouvir com dor o
miserável grito
De inocentes, que um
bárbaro molesta,
Prezar o sábio,
consolar o aflito;
Prender teus voos,
Ambição funesta,
Ter amor à virtude,
ódio ao delito,
«Das almas grandes a
nobreza é esta».
Esse
outro poema, também formalmente enquadrado como soneto italiano com rimas ABBA
/ ABBA / CDC / DCD e versos decassílabos, traz uma temática menos fácil de ser
reconhecida como árcade tradicional.
Que
tema interessante é discutido nesse segundo exemplo de poesia! Você já parou
para refletir sobre o verdadeiro conceito de herói? Caso negativo, esse poema
pode ajudá-lo.
O
eu lírico apresenta duas concepções de herói e manifesta claramente sua
preferência por uma delas e, rejeição à outra.
A
primeira refere-se àquele tipo de herói relacionado à fama, ao poder, à conquista,
à capacidade, à posse, à tirania, ao despotismo, ao absolutismo, etc. No poema,
são caracterizados como almas soberbas,
corações inchados.
A
segunda, bem diferente da anterior, poderia ser traduzida pelo verso bíblico alegrar-se com os que se alegram e chorar
com os que choram (Romanos 12, 15). Os dois tercetos afirmam exatamente
isso: ser capaz de estimar, respeitar, honrar o sábio (metaforicamente, quem
merece honra) e consolar por compreender a dor do outro.
Esse
poema, com cerca de 300 anos de existência, chama nossa atenção para nossas
ações. Que tipo de pessoa você pretende ser? Como você gostaria de ser
lembrado? O que vão falar sobre você após sua partida desse mundo?
O
eu lírico deu a resposta dele no último verso do poema.
A
sua resposta se alinha ao eu lírico, ou não?
x-x-x
Oh retrato da morte,
oh noite amiga
Por cuja escuridão
suspiro há tanto!
Calada testemunha do
meu pranto,
Des meus desgostos
secretária antiga!
Pois manda Amor, que
a ti somente os diga,
Dá-lhes pio agasalho
no teu manto;
Ouve-os, como
costumas, ouve, enquanto
Dorme a cruel, que a
delirar me obriga:
E vós, oh cortesãos
da escuridade,
Fantasmas vagos,
mochos piadores,
Inimigos, como eu, da
claridade!
Em bandos acudi aos
meus clamores;
Quero a vossa medonha
sociedade,
Quero fartar meu
coração de horrores.
Esse
terceiro poema, também formalmente enquadrado como soneto italiano com rimas
ABBA / ABBA / CDC / DCD e versos decassílabos, traz uma temática distante do
Arcadismo. Exemplifica a segunda fase do autor, chamada de fase pré-romântica.
Nela, os sentimentos ficam mais intensos, mais profundos.
A
morte é vista pelo eu lírico como companheira antiga e silenciosa do sofrimento
dele. Essa interação é tão forte que deseja cobrir-se com seu manto, o manto da
morte.
Nos
dois tercetos o eu lírico implora, clama, rasga seu coração, anseia pelo atendimento dos seus clamores em associar-se à
própria morte, hiperônimo de cortesãos da escuridade, fantasmas vagos, mochos
piadores a fim de saciar seu coração.
Que
tipo de sentimentos uma pessoa possui quando enxerga na morte a única e
verdadeira solução para seus problemas? O poema ajuda nessa resposta. Preste
bastante atenção no vocabulário empregado (morte, escuridão, pranto, desgosto,
cruel, escuridade, etc) e o que irá fartar o coração do eu lírico.
Que
coisas você tem buscado para saciar seu coração?
x-x-x
Olá, Fernando!
ResponderExcluirParabéns por essa publicação, excelentes abordagens.