segunda-feira, 15 de agosto de 2011

1º ANO - ANÁLISE DE DUAS CANTIGAS SATÍRICAS

   Neste espaço, vamos analisar duas cantigas satíricas, sendo a primeira um exemplo de cantiga de escárnio e a segunda uma cantiga de maldizer. Recordemos que as cantigas de escárnio possuem um tom de crítica muito mais leve além de o anonimato do alvo da crítica enquanto as cantigas de maldizer trazem um tom de crítica mais pesado e a revelação do alvo da crítica. Tudo isso, na teoria. Na prática, penso que basta a percepção de uma situação específica trabalhada com qualquer dos elementos citados, ainda que não se encaixe exatamente no perfil de um ou de outro tipo de cantiga satírica.
   Leiamos as cantigas.
  
 Texto 1 – Exemplo de cantiga de escárnio, da autoria de Martim Soares – século XIII

Uma dona, não vou dizer qual,
teve um forte agouro,
pelas oitavas de Natal:
saía de casa para ir à missa,
mas ouviu um corvo carniceiro
e não quis mais sair de casa.

A dona, de um coração muito bom,
ia à missa
para ouvir seu sermão,
mas veja o que a impediu:
ouviu um corvo sobre si
e não quis mais sair de casa.
A dona disse: - E agora?
O padre já está pronto
e irá maldizer-me
se não me vir na igreja.
E disse o corvo: - Quá a cá
e ela não quis mais sair de casa.

Nunca vi tais agouros,
desde o dia em que nasci,
como o que ocorreu neste ano por aqui:
ela quis tentar partir,
mas ouviu um corvo sobre si
e não quis mais sair de casa.

   Texto 2 – Exemplo de cantiga de maldizer, da autoria de Joan Airas de Santiago – Século XIII

Foi um dia Lopo jogral
Cantar na casa de um fidalgo
E deu-lhe este em pagamento
Três coices na garganta,
E até foi moderado, a meu ver,
Pelo jeito como ele canta.

E tratou-o com moderação
Ao dar-lhe tão poucos coices,
Pois não deu a Lopo então
Mais de três em sua garganta
E mais merecia o jogralão,
Pelo jeito como ele canta.

   Os textos são relativamente fáceis e se parecem muito em relação ao que está sendo proposto.

   No texto 1, o trovador brinca com a ambiguidade das palavras ao criar uma metáfora para a palavra corvo. Essa ave de rapina, segundo o trovador, é a causa do esfriamento da fé da mulher citada. Por medo do corvo carniceiro, a mulher deixa de ir às missas. E esse pavor teve início próximo ao natal, quando a mulher teve um mau pressentimento. Observe que há anonimato, jogos semânticos (o que justifica a ambiguidade provocada pelo uso da palavra corvo – animal/pessoa) e o espanto por parte do eu-lírico, já que ele se admira da situação inusitada apresentada.
   No texto 2, o trovador apresenta uma situação humorada, é verdade. Contudo, as palavras já são mais diretas e as ambiguidades já não aparecem. Quem está sendo criticado é o jogral Lopo (aqui, sinônimo de grupo vocal musical) por cantar mal. E como recompensa, Lopo, o responsável pelo conjunto, recebeu do fidalgo que provavelmente o contratou três coices na garganta. O eu-lírico lamenta e sugere que o grupo mereceria muito mais coices.

  Para concluir esse diálogo, leiamos a letra de uma canção contemporânea com teor satírico. Se você se interessar, pode ouvi-la na internet. 

Pega eu - Bezerra da Silva  

-"Vagabundo é mala
Mas dessa vez
Ele não se deu bem
Foi assaltar casa de pobre
Vê só o que aconteceu"

O ladrão foi lá em casa
Quase morreu do coração
O ladrão foi lá em casa
Quase morreu do coração...
Já pensou se o gatuno
Tem um infarto, malandro?
E morre no meu barracão
Eu não tenho nada de luxo
Que possa agradar um ladrão
É só uma cadeira quebrada
Um jornal que é meu colchão
Eu tenho uma panela de barro
E dois tijolos como um fogão
O ladrão ficou maluco
De vê tanta miséria
Em cima de um cristão
Que saiu gritando pela rua

Pega eu que eu sou ladrão!
Pega eu!
Pega eu!
Pega eu que eu sou ladrão
Pega eu!
Pega eu que eu sou ladrão!

Não assalto mais um pobre
Nem arrombo um barracão

Por favor, pega eu!
Pega eu!
Pega eu que eu sou ladrão

Pega eu!
Pega eu que eu sou ladrão!

O lelé da cuca
Ele está no pinel
Falando sozinho de bobeação
Dando soco nas paredes
E gritando esse refrão

Pega eu!
Pega eu!
Pega eu que eu sou ladrão

Pega eu!
Pega eu que eu sou ladrão
Não assalto mais um pobre
E nem arrombo um barracão...


   Pelo que foi colocado anteriormente e a partir da canção sobre alguém que revela sua experiência em um assalto que sofreu...
   Há ou não há ambiguidade, jogo de palavras?
   Há alguma crítica social subtendida?
   Quem está sendo criticado está sendo claramente revelado?
   Essa canção se encaixa em algum tipo de cantiga satírica, ainda que contemporânea?

 Fernando Fernandes

3 comentários: