DISCURSO DE ABERTURA DA SEMANA DE ARTE MODERNA
A emoção estética na arte moderna
Graça Aranha
Para muitos de vós a curiosa e sugestiva exposição que gloriosamente inauguramos hoje, é uma aglomeração de "horrores". Aquele Gênio supliciado, aquele homem amarelo, aquele carnaval alucinante, aquela paisagem invertida se não são jogos da fantasia de artistas zombeteiros, são seguramente desvairadas interpretações da natureza e da vida. Não está terminado o vosso espanto. Outros "horrores" vos esperam. Daqui a pouco, juntando-se a esta coleção de disparates, uma poesia liberta, uma música extravagante, mas transcendente, virão revoltar aqueles que reagem movidos pelas forças do Passado. Para estes retardatários a arte ainda é o Belo.
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Que importa que o homem amarelo ou a paisagem louca, ou o Gênio angustiado não sejam o que se chama convencionalmente reais? O que nos interessa é a emoção que nos vem daquelas cores intensas e surpreendentes, daquelas formas estranhas, inspiradoras de imagens e que nos traduzem o sentimento patético ou satírico do artista. Que nos importa que a música transcendente que vamos ouvir não seja realizada segundo as fórmulas consagradas? O que nos interessa é a transfiguração de nós mesmos pela magia do som, que exprimirá a arte do músico divino. É na essência da arte que está a Arte. É no sentimento vago do Infinito que está a soberana emoção artística derivada do som, da forma e da cor. Para o artista a natureza é uma "fuga" perene no Tempo imaginário. Enquanto para os outros a natureza é fixa e eterna, para ele tudo passa e a Arte é a representação dessa transformação incessante. Transmitir por ela as vagas emoções absolutas vindas dos sentidos e realizar nesta emoção estética a unidade com o Todo é a suprema alegria do espírito.
Se a arte é inseparável, se cada um de nós é um artista mesmo rudimentar, porque é um criador de imagens e formas subjetivas, a Arte nas suas manifestações recebe a influência da cultura do espírito humano.
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A remodelação estética do Brasil iniciada na música de Villa-Lobos, na escultura de Brecheret, na pintura de Di Cavalcanti, Anita Malfatti, Vicente do Rego Monteiro, Zina Aita, e na jovem e ousada poesia, será a libertação da arte dos perigos que a ameaçam do inoportuno arcadismo, do academismo e do provincialismo. O regionalismo pode ser um material literário, mas não o fim de uma literatura nacional aspirando ao universal. O estilo clássico obedece a uma disciplina que paira sobre as coisas e não as possui.
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O que hoje fixamos não é a renascença de uma arte que não existe. É o próprio comovente nascimento da arte no Brasil, e, como não temos felizmente a pérfida sombra do passado para matar a germinação, tudo promete uma admirável "florada" artística. E, libertos de todas as restrições, realizaremos na arte o Universo. A vida será, enfim, vivida na sua profunda realidade estética. O próprio Amor é uma função da arte, porque realiza a unidade integral do Todo infinito pela magia das formas do ser amado. No universalismo da arte estão a sua força e a sua eternidade. Para sermos universais façamos de todas as nossas sensações expressões estéticas, que nos levem a à ansiada unidade cósmica. Que a arte seja fiel a si mesma, renuncie ao particular e faça cessar por instantes a dolorosa tragédia do espírito humano desvairado do grande exílio da separação do Todo, e nos transporte pelos sentimentos vagos das formas, das cores, dos sons, dos tatos e dos sabores à nossa gloriosa fusão no Universo.
Discurso na íntegra
http://lusalingua.blogspot.com/2017/03/discurso-de-abertura-da-semana-de-arte.html
Em relação à íntegra do discurso de Graça Aranha, quando da Semana de Arte Moderna destaco quatro trechos.
O primeiro trecho, também inicial, o orador já antecipa a reação do público em relação ao que será apresentado: horrores. Mas esses horrores devem ser lidos dentro da ótica de quem não está preparado para o novo na arte. Os horrores são, exatamente, a nova proposta para arte brasileira.
O segundo trecho apresenta o que deve ser a essência na arte. Muito mais do que traços, sons e ações coordenadas e comportadas, a arte deve ser arrebatadora, a arte deve ser fonte de desconforto, a arte deve ser fonte de emoções. É a arte como elemento de transformação.
O terceiro trecho cita alguns artistas e produções. Também leva o ouvinte a refletir sobre as armadilhas existentes no arcadismo (modelo artístico apoiado no equilíbrio, contenção de sentimentos), do academismo (valorização excessiva de tradições) e do provincialismo (ligado a tradições, usos e costumes).
O quarto e último trecho é também a conclusão do discurso. Reitera que a renascença (nascimento) da arte brasileira não se dá a partir do que não existe, mas sim um novo nascimento, dessa vez, livre da pérfida sombra do passado, livre das amarras da tradição e ratifica a necessidade de que toda a nossa experiência com a arte seja considerada também uma experiência estética.
Fernando Fernandes
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