Prefácio Interessantíssimo
Mário de Andrade
Quando sinto a impulsão lírica escrevo sem
pensar tudo o que meu inconsciente me grita.
Penso depois: não só para corrigir, como para
justificar o que escrevi. Daí a razão deste
Prefácio Interessantíssimo.
[...]
Um pouco de teoria?
Acredito que o lirismo, nascido do
subconsciente, acrisolado num pensamento claro
ou confuso, cria frases que são versos inteiros,
sem prejuízo de medir tantas sílabas, com
acentuação determinada.
[...]
Pronomes? Escrevo brasileiro. Si uso a ortografia
portuguesa é porque, não alterando o resultado,
dá-me uma ortografia.
[...]
Escrever arte moderna não significa jamais
para mim representar a vida atual no que tem
de exterior: automóveis, cinema, asfalto. Si
estas palavras frequentam-me o livro não é porque pense com
elas escrever moderno mas,
por sendo meu livro moderno, elas têm nele
sua razão de ser.
COMENTANDO O PREFÁCIO INTERESSANTÍSSIMO
Prefácio Interessantíssimo abre a obra ‘Pauliceia Desvairada’, uma série de poemas que descrevem diferentes aspectos da capital paulista.
Em relação aos trechos acima desse prefácio, temos algumas dicas de como a poesia deve ser entendida, em termos de arte moderna.
No primeiro trecho, percebe-se a importância de a poesia nascer a partir do que é gritado do inconsciente em oposição ao planejar. Significa que, diferentemente dos parnasianos que escolhiam cada palavra, temos agora, o inconsciente no processo criativo para, depois, sim, qualquer tipo de avaliação.
O segundo trecho ratifica o parágrafo anterior. O verdadeiro lirismo deve ser gerado no inconsciente e, depois, purificado em um pensamento claro ou confuso. E sem a preocupação com a forma (métrica, rimas, ritmo).
O terceiro trecho dá dica de como deve ser a linguagem literária. Escrever em brasileiro é a chave e se traduz em aproximar o texto literário à realidade linguística do brasileiro.
O último trecho cita como devemos enxergar a arte moderna. Na literatura, os elementos da modernidade devem frequentar o livro por esses elementos serem modernos, e não para mostrar modernidade.
A partir da leitura do texto em análise, temos:
1- Para Mário de Andrade, a poesia deve ser gerada conforme o inconsciente humano.
2- A posição de Mário de Andrade a respeito do uso da língua na construção dos poemas deve ser mais próxima do jeito brasileiro de se expressar.
3- A citação a frases que são versos inteiros (segunda estrofe) remete a uma característica do Modernismo: a dos versos sem compromisso com rima ou métrica.
4- Na terceira estrofe, o escrever em brasileiro significa escrever de um jeito mais próximo da nossa compreensão do que observar rigidamente as regras ortográficas portuguesas.
5- A presença de automóveis, cinema e asfalto na última estrofe se justifica por serem elementos da modernidade (para a época, é claro).
Fernando Fernandes
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